Os deputados voltaram hoje a adiar, pela terceira vez, a votação na especialidade do diploma que regula as condições em que a morte medicamente assistida não é punível, aprovando o pedido feito pelo Chega
A assembleia da Republica adiou, pela terceira vez, a votação na especialidade do diploma que regula as condições em que a morte medicamente assistida não é punível, aprovando o pedido feito pelo Chega.
O texto de substituição ia ser discutido e votado esta manhã na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, mas o Chega pediu o adiamento, alegando pouco tempo para analisar a nova versão do diploma, uma vez que foi distribuída esta madrugada.
O pedido de adiamento foi aprovado com os votos a favor do PS, PSD e Chega, a abstenção de Livre, PAN, Iniciativa Liberal e PCP e o voto contra do BE.
Esta é a terceira vez que votação na especialidade é adiada.
A tentativa de legalização da eutanásia, que atravessou três legislaturas- com um chumbo, uma aprovação, um veto por inconstitucionalidade, outra aprovação e um veto político- junta agora num só diploma de substituição as contribuições de PS, IL, BE e PAN, sob a coordenação da deputada socialista Isabel Moreira, expurgado das contradições de conceitos que motivaram Marcelo Rebelo de Sousa a travá-lo há exatamente um ano.
A lei terá de ser votada, na especialidade, na Comissão de Assuntos Constitucionais, Liberdade e Garantias. Seguir-se-á a votação final global em plenário e a avaliação por parte de Belém.
Entre as novidades, o novo texto prevê a obrigatoriedade de acompanhamento psicológico do paciente durante todo o processo, exceto nos casos em que o próprio doente o recuse expressamente, e define um prazo mínimo de dois meses entre o pedido e a morte. São também determinados tempos para os pareceres obrigatórios do médico orientador do processo, do especialista e da Comissão de Verificação e Avaliação dos Procedimentos Clínicos de Morte Medicamente Assistida, e é necessário um “parecer fundamentado” de um psiquiatra, se dúvidas houver sobre a capacidade do doente tomar a decisão de morrer. Da lei desapareceu a exigência de “doença fatal” para o recurso à eutanásia, uma das principais razões que levaram Marcelo Rebelo de Sousa a vetar o projecto lei Considera-se, agora, morte medicamente assistida a “que ocorre por decisão da própria pessoa, maior, cuja vontade seja atual e reiterada, séria, livre e esclarecida, em situação de sofrimento de grande intensidade, com lesão definitiva de gravidade extrema ou doença grave e incurável, quando praticada ou ajudada por profissionais de saúde”.
Maria do Céu Patrão Neves, presidente do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida, ao podcast do Expresso da Manhã desta quarta-feira explica as razões do parecer negativo dado por este organismo. No essencial, no que respeita às questões técnicas, os conselheiros estão contra o “alargamento da terminologia”, no que se refere à classificação da doença que justifique o pedido- passagem de “doença fatal” para “lesão definitiva de gravidade extrema ou doença grave e incurável”-; o facto do doente que pede a morte medicamente assistida ter direito imediato a acesso a cuidados paliativos e o facto do médico orientador do processo não ser o médico de família.
“À medida que se abre a terminologia alarga-se o número de potenciais candidatos, o que traz um problema social, que a avaliar pela experiência de outros países, nos deixa com dúvidas, abrindo-se a porta aquilo a que os eticistas designam de `rampa deslizante´. Esta é a experiência que temos de outros países” refere Maria do Céu Patrão Neves.
Por outro lado, refere, “o facto do paciente que pede a eutanásia ter direito imediato a entrar em cuidados paliativos, quando só 30% dos doentes que deles necessitam têm acesso a esses cuidados, pode levar a uma discriminação que tem de ser ponderada, porque viola o principio da igualdade entre doentes”.
“Um diploma desta natureza tem de garantir o equilíbrio entre a protecção da vida e o respeito pela autonomia do doente; a nosso ver este equilíbrio não está garantido no diploma presente”, conclui ao sublinhar, ainda, que o Conselho considera que as questões “axiológicas” subjacentes ao espirito da lei deveriam merecer uma apreciação do povo.
“Trata-se de uma matéria complexa que não pode ser resolvida do ponto de vista jurídico e político. Aqui a questão é saber que valores defendemos, está em causa uma apreciação axiológica e neste domínio, deveriam ser os cidadãos a pronunciar-se sobre esta questão”, conclui.
Em 2016, 112 personalidades da política, saúde, ciência e cultura assinaram o manifesto “Direito a Morrer com Dignidade”.
Em junho deste ano, a igreja portuguesa reafirmou a sua oposição à legalização da eutanásia e do suicídio assistido e distancia-se de iniciativas legislativas que insistem na sua aprovação, nomeadamente os projetos de lei votados hoje na Assembleia da República.
” Quando o mandamento de Deus diz “não matarás”, todos nós ficamos protegidos. Quando a lei dos homens permite ao Estado – às vezes e em certos casos – tirar a vida, todos nós ficamos expostos. A dignidade humana, que deve ser garantida sempre e também no fim da vida, não passa pelo direito a pedir a morte mas pela garantia de todos os cuidados para evitar o sofrimento, como indicam os códigos deontológicos dos profissionais de saúde, reafirmados no contexto das reincidentes iniciativas legislativas de alguns grupos parlamentares pelas respetivas ordens profissionais” referiam os bispos, alertando para o sentido dos diplomas.
“Os projetos de lei aprovados representam um alargamento da legalização da eutanásia e do suicídio assistido para além das situações de morte iminente abrangendo também situações de doença incurável e deficiência, o que aproximará a nossa legislação dos sistemas mais permissivos já existentes, que felizmente são muito poucos”.
“Reafirmamos que a morte provocada não pode ser a resposta dada pelo Estado e pelos serviços de saúde a quaisquer dessas situações. A “mensagem cultural” que a legalização da eutanásia e do suicídio assistido veicula é a de que a morte provocada é uma resposta possível para enfrentar tais situações. Tal resposta deverá ser sempre a do esforço solidário para combater e aliviar a doença e o sofrimento, designadamente através dos cuidados paliativos, ainda não acessíveis à maioria dos portugueses deles necessitada. Com a eutanásia e o suicídio assistido não se combate o sofrimento, suprime-se a vida da pessoa que sofre”, conclua o comunicado.