D. Armando Esteves Domingues passa a tarde de terça feira com seis doentes da Ribeira Seca
Noélia Ávila é Ministra Extraordinária da Comunhão há mais de duas décadas. Todas as semanas à terça-feira, faz-se ao caminho para levar a comunhão a 8 iodos que, praticamente, já não saem de casa.
“É um compromisso que assumi e faço-o com muito gosto pois estas pessoas estão muito sozinhas” refere. Não conduz e, por isso, anda a pé, embora as distâncias até sejam grandes, mas não perde o vigor.
“Estas pessoas gostam da visita e eu não posso falhar” adianta em jeito de aviso ainda antes de começar a visita do bispo de Angra e do pároco, padre Manuel António das Matas, que não podia ter começado da melhor maneira junto de um casal de 75 e 77 anos, ela hemodialisada; ele cuidador informal. “Companheiros” há 51 anos, não conseguem viver um sem o outro. Foi assim quando tinham saúde e é assim na doença.
Mais adiante, uma viúva que ainda se lembra de ir à Igreja animar a devoção das nove primeiras Sextas-feiras de cada mês, um dia especial para vivenciar o recolhimento, a comunhão e a adoração eucarísticas, bem como para demonstrar amor e devoção ao sagrado coração de Jesus. Esta prática devocional foi implementada por Santa Margarida Maria Alacoque e muito estimada pelo Papa São João Paulo II, praticando-se ainda em muitas igrejas.
“Já não há forças, senhor Bispo para sair daqui. Tenho medo de cair”, refere.
“Não sei como será lá em cima e não tenho medo da morte, mas gostava ainda de cá ficar mais algum tempo, estou aqui à conta de Deus” desabafa esta viúva que tem três filhos mas estão longe.
“Falo com uma delas todos os dias” refere , mas interroga-se de novo: “Como será o céu, caberemos lá todos?” e começa de novo a conversa bem disposta porque a lucidez, apesar da solidão, é marca bem visível de quem faz da televisão a companhia diária.
“Sigo a missa pela televisão, senhor Bispo”.
Noutro lado, noutra rua, noutro lugar revive-se a memória de quem correu mundo à descoberta. Sem filhos, mas com uma curiosidade maior do que os limites da Caldeira do Santo Cristo permitiam fez-se ao mar, primeiro para Angola, depois para França e finalmente a América. Tudo era grande e entusiasmante mas é na família que se centram as atenções e num pedaço de conversa ficamos todos familiarizados com o sucesso de irmãos, sobrinhos netos e bisnetos, num tom que só o coração desenvolve.
E as visitas prosseguem até pararem em casa do ex presidente da Câmara da Calheta, professor aposentado, à beira de completar 90 anos.
Nemésio Serpa, dono de uma memória de meter inveja, lembra-se do dia em que antecipou a vinda de D. Armando Esteves Domingues para os Açores.
“Não sou adevinho mas lembro-me que antes da sua nomeação o ouvi num sermão que me encheu as medidas e disse à vizinha Noélia: este é o bispo que vem para os Açores”. Hoje, diante do prelado, não escondia a emoção de poder partilhar algumas histórias. De Beja até ao Pico, passando pela Terceira e por São Jorge, a família, os filhos e a mãe, que morreu nova…
“Quando para aqui vim tinha 400 alunos, agora existem quantos? Nem 50. Quando era presidente da câmara toda a gente me dizia queremos água, caminhos e luz; agora não temos quem goze todas estas mordomias”, refere mas sem qualquer azedume. A única mágoa que tenta disfarçar, mas não consegue esconder é a solidão: “esta casa tinha vida e agora estou sozinho”.
São poucos os casais jovens da freguesia e os que aqui nasceram e ainda permanecem em São Jorge preferem viver nos dois centros urbanos.
De acordo com os Censos de 2021 na ilha de São Jorge, os concelhos da Calheta e de Velas registaram perdas de população 8,8% e 8,5%, respetivamente, o que corresponde, de acordo com os dados provisórios dos Censos, a uma redução global de 8,6%. Assim, na ilha de São Jorge, os residentes passaram de 9.171 para 8.381.