Neste 1º de maio, o Sítio Igreja Açores falou com dois sacerdotes e uma leiga ligados desde sempre aos movimentos da Ação Católica
O trabalho “é mais que um direito adjacente” ao ser humano e “tem de chegar a todos” disse ao Sítio Igreja Açores o Vigário Episcopal para São Miguel, Pe Cipriano Pacheco, neste 1º de maio, o Dia do Trabalhador.
O sacerdote que no passado chegou a ser assistente dos grupos de Ação Católica na diocese de Angra e hoje é o responsável pelo Serviço diocesano da Pastoral Social reconhece que os tempos, apesar de serem diferentes, têm exigências muito semelhantes porque “infelizmente o direito ao trabalho é negado a muitas pessoas” e “nós cristãos nem sempre o soubemos denunciar de forma muito clara”.
“O homem foi criado para cuidar da terra, deste mundo de forma a que este bem que Deus quer para todos chegue efetivamente a todos e não só a alguns. Hoje olhamos para os números da crise e vemos que falta trabalho, que quem o tem muitas vezes é explorado, com salários indignos, para não falar da precariedade ou da situação em que se encontram inúmeros idosos com pensões de reforma baixíssimas”, sublinha o sacerdote.
No dia em que se comemora o 1º de maio, dia do trabalhador e de São José operário, designado pelo homem justo, “porque se ajustou ao desígnio de Deus, devemos ter muito presente esta ideia”, adiantou ainda.
“Como é possível fazer do dinheiro um ídolo e não colocar o bem das pessoas em primeiro lugar” questiona o sacerdote neste dia do trabalhador, lembrando sobretudo os mais pobres.
“Nós fomos marcados pela resignação em vez da libertação o que é pena, mas é uma marca que nos atingiu ao longo do tempo , que ficou e que exige agora um novo caminho, se calhar difícil mas que vale a pena”, disse o Pe Cipriano Pacheco.
Para o sacerdote os cristãos “não têm receita para tudo” mas devem ter presente “aquela que é a sua missão” e que é diferente dos não crentes com quem “devem dialogar cada vez mais”.
“Os cristãos só por serem cristãos não têm soluções mas devem ser diferentes na forma como vivem, organizam e distribuem as riquezas deste mundo”, frisa o sacerdote lembrando que a centralidade do projeto de Deus é “justamente sermos capazes de promover a justiça social” por forma a que “os bens deste mundo sejam para todos”.
Para Manuela Medeiros, uma das dirigentes mais Ativas da Ação católica em São Miguel (chegou a liderar o primeiro campo de trabalho na Fábrica de Tabaco Micaelense) falta aos cristãos de hoje o tripé da ação católica: ver, julgar e agir.
“Há muita obra social e ainda bem; nós igreja fazemos muita ação sócio caritativa mas falta-nos um trabalho de raiz, que vá ao cerne do mal e por isso não temos sido capazes de denunciar bem alto aquilo que nos impede de promover uma verdadeira justiça social”, diz Manuela Medeiros, hoje aposentada e um dos mais ativos elementos da Liga dos Amigos do Hospital de Ponta Delgada.
“A igreja tem de falar das Bem aventuranças, do Filho Pródigo mas também tem de agir porque não basta ficarmos encantados com o Bom Pastor que deu a vida pelas ovelhas e vai atrás delas; nós ainda não fomos capazes de ir atrás delas, esperamos que elas venham ter connosco e isso faz toda a diferença” diz.
Para esta ex militante da Ação Católica “chega de reuniões e de documentos” pois está “mais do que na hora de irmos para o terreno”. Antes, lembra, “tínhamos de lutar por todos os direitos desde os de expressão, à liberdade de opinião, de associação e até pelos direitos laborais, ora hoje não é muito diferente quando olhamos e vemos tanta gente sem emprego, forçada a emigrar”.
“Temos de ter coragem de fazer um exame de consciência que a nossa ação enquanto igreja não passa por dar esmolas mas por ajudar as pessoas a terem dignidade e essa dignidade passa, desde logo, por terem o direito ao seu sustento que lhes vem do trabalho”, conclui lembrando com entusiasmo os tempos “que me levaram a uma aprendizagem sobre como olhar o outro, sobretudo o mais necessitado”.
Para o Pe António Cassiano, ex dirigente da pastoral operária na Diocese de Angra, o problema principal que se coloca hoje é que “a igreja faz a denuncia mas de forma moderada”.
“A crise económica que tirou a tantas pessoas o seu ganha pão, votando-as a uma dupla exclusão- material e social- deve levar a igreja a um maior radicalismo na denuncia e na ação porque esses são os leprosos dos nossos dias”, diz o sacerdote.
“Um desempregado é quase como alguém impuro, alguém que fica privado da sua dignidade social e até familiar e que sofre todos os dias a humilhação de ter de pedir apoio social porque não tem o que comer”, lembra o sacerdote.
Por isso, afirma, “Uma igreja na linha de Jesus Cristo não deve guardar-se a si própria nem preservar-se para estar bem com todos, sobretudo com o capital, que é, o diabo”, refere.
“15 mil pessoas sem emprego é muita gente para uma região como a nossa e a igreja tem de se colocar ao lado destas pessoas, tocando nas feridas que hoje são tão parecidas com as que sentíamos antes do 25 de abril, desde a precariedade laboral, à violação dos direitos dos trabalhadores até à indignidade de alguns salários”, sublinha ainda o Pe António Cassiano, atual diretor do jornal de inspiração cristã, A Crença.
Para o sacerdote, que é também ouvidor de Vila Franca do Campo, na ilha de São Miguel, “é tempo da igreja contribuir de uma forma mais ativa para uma maior justiça social” e para isso, “basta pregar o Evangelho pois não há nada mais radical”.
O Dia do Trabalhador assinala-se um pouco por todo o mundo, com vários movimentos católicos a darem o seu testemunho.