Por Monsenhor António Manuel Saldanha*
Afogado em débitos públicos herdados do regime monárquico constitucional e de uma I República instável que em poucos anos conheceu diferentes ministérios, refém de guerras de proporções sem precedentes, o Portugal dos anos 30 e 40 do século passado, é um país socialmente pacificado, politicamente controlado e economicamente miserável.
Uma certa cultura portuguesa e a propaganda do regime de então, limitavam fortemente o acesso aos estudos e o campo de ação da mulher de modo que com raras exceções, era-lhe destinado como possíveis trabalhos, atividades que não exigiam mais do que a agulha, o forno e o sabão.
Naqueles anos afluíam a Lisboa centenas de mulheres jovens, vindas da “Província” à procura de trabalho. Pouco menos que iletradas, carentes de tudo o que pudesse contribuir para uma vida emancipada e digna, eram presa fácil para quem, sem escrúpulos, as quisesse desfrutar. Muitas se encaminhavam involuntariamente para a prostituição e muitas outras para os trabalhos domésticos nas casas da “burguesia” da capital.
Um vulto estranho começou a percorrer por aquele tempo as estações de comboio e ruas de Lisboa. Coxo no andar, forrado de preto, o padre Joaquim Alves Brás, iniciou uma obra que hoje conhece uma enorme expansão.
Nascido a 20 de Março de 1899, morreu a 13 de Março de 1966 em sequência de um acidente de automóvel.
A sua vida é um decálogo de dificuldades pessoais, que o limitaram fisicamente. Amarrado durante anos a uma cama por motivos de doença que o deixaria por toda a sua vida com dificuldade de caminhar, a custo foi aceite no Seminário e sonhou ser padre ao menos por um dia.
O que podiam ter sido fonte de desmotivação profunda ou causa de revolta, foram apenas experiências vividas com uma enorme determinação e fé profunda e que ditaram os alicerces da sua obra social imensa.
Uma vez ordenado padre, realizou um ministério fecundo. Funda a Obra de Santa Zita em 1932 e, em1933, o Instituto Secular das Cooperadoras da Família, realidades eclesiais que vale a pena conhecer e apoiar.
Um olhar humanista iluminado pela fé cristã e nos seus valores começou então a alargar-se naqueles anos sobre a vida de centenas de mulheres que socialmente pouco valiam e cuja sorte estava dependente da caridade ou da perversidade de quem as contactasse quando chegavam a Lisboa.
Formando-as espiritualmente e também academicamente, a ação deste padre foi para a época revolucionária. Evitando um discurso de promoção da luta entre classes, ainda que talvez compreensível para muitos, num contexto de gritantes diferenças sociais, não se ficou também nas denúncias fáceis. Optou pelo mais difícil, mas seguramente mais eficaz ao criar as condições para promover uma dinâmica social que protegeu e promoveu humanamente famílias fragilizadas pelas carências económicas, resgatou das ruas prostitutas, escolarizou mulheres, deu lares a crianças órfãs e aparentemente sem futuro.
Foi a sua coerência e convicção religiosa, que o impulsionou a vencer dificuldades imensas, a suportar humilhações e incompreensões e a realizar um serviço aos últimos da sociedade do tempo que lhe tocou viver e que o fez merecer por parte da Igreja o reconhecimento das suas virtudes vividas em grau heróico, concedendo-lhe o título de “Venerável”.
Embora certo de que se encontra na presença de Deus, um milagre atribuído à sua intercessão abrirá para ele as portas para um culto público como Beato.
Na passagem do seu aniversário natalício ocorrido ainda há poucos dias, aqui deixo este leve registo da vida de um homem que merece ser bem mais conhecido e invocado nas nossas pobres preces.
* Monsenhor António Saldanha Albuquerque é colaborador regular do Igreja Açores