Por Monsenhor António Saldanha Albuquerque
O Padre Bartolomeu do Quental, natural dos Fenais da Luz da ilha de São Miguel, onde nasce a 23 de Agosto de 1623, é filho da fé do povo dos Açores, tal como o Beato João Baptista Machado, Margarida de Chaves, Teresa da Anunciada e Maria Vieira que em épocas e de formas diferentes viveram até ao heroísmo as suas virtudes espirituais e humanas como consta da sua fama popular.
Académico de formação é ordenado padre em 1653. Concorre e ganha o lugar vago de Vigário da Matriz da Estrela da Ribeira Grande, mas renuncia para aceitar um cargo de capelão na corte de João IV de quem se tornaria conselheiro como mais tarde, de Pedro II e onde funda uma irmandade para formar espiritualmente os diversos padres que ali exerciam o seu serviço. Será o embrião do primeiro Oratório de S. Felipe de Néri em Portugal. Cedo se lhe juntam muitos fiéis leigos que embora condicionados por um ambiente fortemente politizado e verdadeiro teatro de sombras, se aproximam com seriedade do Evangelho.
No período da Restauração de Portugal é requisitado para aconselhar governantes em questões de Estado.
Qualidades intelectuais e cultura universitária acima da média, não impedem nele uma intensa actividade social e caritativa nem um espírito prático que lhe permitiu fundar quase todos os Oratórios de língua portuguesa que existiram até ao século XIX.
Em pouco tempo torna-se exímio diretor espiritual, confessor procurado e excelente pregador nos púlpitos da capital.
Introduz em Lisboa práticas devocionais de Felipe de Néri e o mesmo estilo conferências de formação para centenas de pessoas que acorrem no final dos seus trabalhos a ouvi-lo no Oratório e durante as quais por vezes se executam pequenos concertos de música erudita.
O seu funeral foi uma demonstração da sua fama de santidade. Nesse dia, 20 de Dezembro de 1698, uma multidão acorreu à igreja do Oratório onde se encontrava exposto o seu corpo e que apesar das intervenções feitas para acelerar o seu processo de decomposição, se achou intacto anos após a sua morte. Coerentemente com a espiritualidade da época e à míngua de cuidados de saúde, usariam relíquias suas para curar doentes e para ajuda nos partos que ao tempo eram autênticos matadouros de mulheres.
Como transparece do seu processo de beatificação, onde depõem alguns açorianos e adquire o título de Venerável, é evidente a sua grande sensibilidade espiritual que se encontra com uma enorme sensibilidade que diríamos hoje social. A sua pregação não foram só palavras, tal como a sua oração não foram só ritos.
Homem de profundo diálogo com Deus a ponto de o verem em êxtase consegue unir o altar onde celebra a eucaristia às ruas e casas onde habitam homens e mulheres com os seus dramas, conflitos, doenças, misérias e medos. Encontra-os diariamente nas cadeias e nas galés ancoradas no porto de Lisboa, nas famílias que sustenta, nos hospícios dos doentes incuráveis ou nos lugares de prostituição de onde consegue resgatar e reabilitar socialmente centenas de mulheres. Talvez por esses motivos, o poeta e seu parente, Antero de Quental, tanto o admirou.
José Luís Brandão da Luz num recente estudo sobre os seus sermões sintetiza bem quem foi Bartolomeu do Quental ao defini-lo “pregador da redenção do homem”.
A supressão do Oratório em Portugal sepultou o seu processo de beatificação, mas não extinguiu a sua memória presente nas publicações e estudos que nos últimos anos se têm feito a nível académico em alguns centros universitários.
Pode mesmo ser que um dia se possa reapresentar para estudo o seu processo.
Em 2023 quando o Papa Francisco se encontrar com jovens de todo o mundo em Lisboa, ocorrerão 400 anos do nascimento.
Parece que não faltam motivos para assinalar o seu aniversário.
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Monsenhor António Saldanha é secretário da Congregação para as Causas dos Santos, em Roma