O Papa defende a atribuição de um “rendimento básico universal”, perante as transformações do mundo do trabalho.
“Em tempos de automatização e inteligência artificial, em tempos de informalidade e precarização laboral, que ninguém seja excluído dos bens básicos necessários para a subsistência”, disse Francisco, na sessão comemorativa do 10.º aniversário do I Encontro Mundial dos Movimentos Populares (EMMP).
A iniciativa foi promovida pelo Dicastério para o Serviço do Desenvolvimento Humano Integral (Sant Sé), com o tema ‘Plantar uma bandeira perante a desumanização’.
Num discurso com mais de 45 minutos, o Papa denunciou as lógicas da “meritocracia” e da acumulação de riqueza, no atual sistema económico, denunciando interesses “globais” que agem sem preocupações “universais”.
“Muitas vezes, as grandes fortunas têm pouco a ver com o mérito”, observou, criticando a exploração de recursos naturais e a especulação financeira.
Francisco recordou o EMMP de 2014, em Roma, que lançou um trabalho conjunto em favor dos direitos “sagrados” dos três “T” (teto, terra e trabalho), rejeitando que esta seja uma posição ideológica ou “comunista”.
O Papa reforçou o seu alerta sobre a necessidade de “renunciar à autonomia absoluta dos mercados e da especulação financeira e agir antes de mais sobre as causas estruturais da iniquidade”.
A intervenção sublinhou a “centralidade dos pobres” no Evangelho, pedindo políticas sociais em favor de “salários justos e direitos sociais adequados”.
“Muitas vezes, infelizmente, são os mais ricos que se opõem à justiça social”, denunciou.
Francisco pediu que os “economicamente poderosos” saiam do seu isolamento, pagando mais impostos e partilhem “bens que têm um destino universal”, apesar de admitir que é um desejo “difícil”.
“Peço aos privilegiados deste mundo que tenham a coragem de dar este passo”, acrescentou.
O Papa interpelou os cidadãos da classe média, para se unam a este apelo: “Acreditam que os ricos vão partilhar o que têm, com os outros, ou vão continuar a acumular, insaciavelmente?”.
O discurso denunciou uma forma “perversa” de ver a realidade, que “exalta a acumulação de riqueza como se fosse uma virtude”, em vez de a entender como um “vício”.
Francisco recordou a recente passagem pela Indonésia, Singapura e Timor-Leste, onde quis sublinhar a necessidade de unir a “compaixão” à justiça social e denunciou, em Díli, os “crocodilos” do “colonialismo material” e da “cultura do descarte”.
O Papa alertou para os riscos de divisão, violência verbal e agressão física, em contextos de injustiça social e de “lei dos mais fortes”, condenando a corrupção na vida política, o tráfico de seres humanos, a prostituição infantil e o narcotráfico.
“Continuem a combater a economia criminosa com a economia popular”, recomendou.
Francisco lamentou ainda que “estrelas” do futebol promovam as apostas desportivas, sublinhando que se trata de um “vício” e não de um “jogo”, e apelou aos donos das plataformas digitais, para que respeitem as leis dos países onde operam.
O Papa assumiu a sua preocupação perante um mundo “ensanguentado por guerras, violências, ferido por desigualdades crescentes, devastado pela depredação da natureza, alienado por modos de comunicação desumanizados, completamente desinformado por formas de gestão da informação interessadas em si mesmas, sem paradigmas políticos, sociais e económicos que nos indiquem o caminho”.
“Com poucas utopias e enormes ameaças”, concluiu.
Durante a conferência foi lançado um livro digital (e-book), com prefácio do Papa, que compila as mensagens que Francisco dirigiu aos Movimentos Populares e outros textos que abordam os três “T”, na última década.
O EMMP é apresentado como “um espaço de fraternidade entre organizações de base dos cinco continentes e uma plataforma que promove a cultura do encontro”, com o lema “nenhuma família sem habitação, nenhum camponês sem terra, nenhum trabalhador sem direitos, nenhuma pessoa sem a dignidade que advém do trabalho”.
(Com Ecclesia e Vatican Media)