Pintor micaelense refletiu sobre as inquietações e as fases do seu percurso criativo, muito orientado pela sua vivência
A obra criada pelo artista é sempre uma releitura da realidade e no caso de Urbano, artista plástico micaelense, é o resultado da sua própria experiência de vida revelou esta noite na sexta Conversa da Sacristia, na Igreja de São José.
“Todo o meu trabalho é o resultado da minha experiência de vida , que procuro seja sempre luminosa” afirmou Urbano, 64 anos de idade e 55 a pintar “sempre com o mesmo entusiasmo”, que foi o convidado da pastoral da Cultura de São José para mais uma das tertúlias que procuram promover o diálogo entre a Igreja e a sociedade, sempre numa perspetiva cultural.
“Sou um artista da vida, eu faço a obra com uma visão concreta das coisas”, esclareceu reconhecendo que há uma transcendência que está sempre presente e de forma indecifrável: “nós somos matéria” e no “principio, na origem de tudo tem de estar alguma coisa antes”.
“O principio da vida, a formação da vida…há, de facto, a inquietação permanente de não saber o que está na origem”, mas depois, também a interpelação de apresentar “uma enorme gratidão pela dádiva que é a vida” explicitou.
“A busca das origens, memórias pessoais e alguns aspectos da vida , da atualidade, isto é, tenho, por um lado, trabalho sobre o que somos, fazemos e o sentido que damos à vida, mas nos meus trabalhos estou também a fazer uma leitura do meu papel nesta vida e o que estou a fazer em relação aos outros. Há 55 anos que desenho e continuo a desenhar com o mesmo entusiasmo” afirma.
“Intervenho de forma silenciosa e hoje, a posteriori, posso ter consciência de que existem fases e temáticas presentes” nos trabalhos, mas “não creio” que seja uma obra de cariz religiosa ou com uma intenção política.
O evangelho de São João e o Livro do Génesis são seus companheiros de viagem, sobretudo, depois do regresso à ilha em dezembro de 1995, quando sentiu de forma muito presente a força telúrica da natureza e se deixou tocar “pela força dos elementos”.
“Quando aterrei e vi o vento, o mar, as nuvens, pensei: estou a chegar ao mundo na sua recriação; o inicio do mundo foi isto e desceu sobre mim esta ideia do Génesis”, afirmou.
Em 1995 decidiu sair da ilha e ir até Londres, “onde ninguém me conhecesse” e estudou gravura na Slade School . Quando regressou, dois anos depois, ficou ligado à Galeria 111, em Lisboa, a onde ainda hoje se mantém, embora tenha também uma ligação à maior galeria açoriana- a Fonseca Macedo, Arte contemporânea- desde a sua criação, em 2000.
O autor, que refletiu sobre a arte e a religião e o seu próprio percurso artístico, salientando algumas das inquietações que o acompanharam no processo criativo para a decoração interior da Capela do Hospital do Divino Espirito Santo, que tratou “como se fosse uma catedral”.
As “Conversas na Sacristia” são um projecto de evangelização e pensamento da fé através da cultura, das artes e da ciência, num processo de escuta, de acolhimento e de diálogo com todos, de uma Igreja de portas abertas para os sentidos, para a espiritualidade contemporânea, para a partilha da palavra, das sensações e das emoções, para “uma cultura inédita” que “palpita e está em elaboração na cidade”, como escreve o Papa Francisco, na Exortação Apostólica, “Evangelii gaudium”, sobre o anúncio do Evangelho.