Médica paliativista está esta manhã nas Jornadas de Formação do Clero e ontem à noite esteve no Santuário do Senhor Santo Cristo, com o qual tem uma relação “de mais de 40 anos”
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A defesa da vida e a devolução de esperança a quem está no fim da vida e precisa de ser cuidado, deve continuar a ser uma luta diária dentro de uma sociedade moderna, afirmou esta noite a médica paliativista Isabel Galriça Neto, que proferiu uma conferência sobre “Pode haver esperança nos tempos de doença? E que esperança é essa?” no Santuário do Senhor Santo Cristo- Convento da Esperança, no âmbito da deslocação aos Açores para intervir nas Jornadas de Formação do Clero sobre o mesmo assunto, que terminam esta quinta-feira, em Ponta Delgada.
“Independentemente da fase da doença em que estejamos, esse direito não está cumprido para 70% dos portugueses que precisam de ser cuidados no fim da sua vida. E o fim da sua vida não são os últimos dias. Podem ser meses, podem ser anos” afirmou a médica.
“Nós temos, de facto, um direito que está na Constituição aos cuidados de saúde” lembrou.
“Não existe o direito a ser morto. Esse direito não existe, por muito que queiram criar uma lei a esse propósito” enfatizou a clínica que tem sido uma das vozes mais ativas no combate à legalização da morte medicamente assistida.
“Quando dezenas de milhares de portugueses não têm acesso a um direito que é ser cuidados, de facto, nós temos que continuar a falar”, disse.
“O direito a morrer não está vertido na Constituição , mas o direito a cuidados de saúde, independentemente da fase da vida em que se encontram está”, reafirmou reconhecendo que há um misto de questões económicas e políticas na defesa da eutanásia.
“Há uma dificuldade que todos nós temos de nos confrontarmos com a dor, a nossa e a dos outros. Mas de facto é preciso dizer que uma sociedade moderna cuida dos mais frágeis, não evita os mais frágeis, não pensa que resolve o problema do sofrimento em fim de vida eliminando as pessoas que têm esse problema” afirmou, reconhecendo que quando estes problemas se colocam e estas decisões se impõem devem ser discutidas as motivações.
“É um problema de políticas para a saúde, para os mais vulneráveis, e é um problema para uma sociedade que perdeu muito de empatia, de possibilidade de compreender, de apoiar e de ajudar na dor do outro”, refere.
Por isso, “é preciso falar e continuar a falar sobre cuidados paliativos, que são cuidados de saúde, como eu disse, que as pessoas têm direito a eles, quando têm doenças graves e avançadas, independentemente do seu prognóstico, independentemente da sua idade, e é bom lembrar que estas situações acontecem em crianças também”, alertou desafiando as pessoas a “reclamar, junto das organizações políticas, junto das estruturas de saúde” o exercício desse direito, recordando, por outro lado, que nos Açores “há bons exemplos” de que há “uma outra perspetiva mais humanizada destes direitos”.
A médica, que tem passado o último ano a lutar contra um agressivo cancro da mama e tem com o Santuário do senhor santo Cristo uma relação de mais de 40 anos, quando “ainda era uma jovem estudante e os meus pais estiveram por razões profissionais nos Açores”, afirmou, ainda, que estas pessoas precisam de esperança.
“Gostaria nesta minha intervenção de trazer a esperança com uma perspetiva realista, na medida em que há uma expectativa de atingirmos um objetivo, para as pessoas que estão numa situação de doença mais grave, numa situação como aquela que eu tenho vivido neste último ano, ou em situações como as que eu tenho acompanhado nos últimos 30, no âmbito dos cuidados paliativos” disse Isabel Galriça Neto.
“Às vezes há a ideia de que é incompatível falar de esperança e de cuidados paliativos e, de alguma forma, é isso que nós vamos refletir e explorar” começou por dizer sem escamotear que na doença há momentos “de muito desespero e de alguma… Desesperança. Sim, Desesperança…”.
“A esperança é uma expetativa de atingir um objetivo. Ou seja, nós não estudámos nem vimos aqui falar de uma esperança irrealista, que é aquela que muita gente tem, de que a nossa vida não vai ter um fim e que um dia não vamos morrer. Isso é uma irrealidade. Isso é algo que não existe. A nossa vida começa, a nossa vida vai acabar. Mas, de facto, devemos fomentar a esperança em cada dia, escolhendo muito bem objetivos”, disse a médica que também já foi deputada na Assembleia da República, eleita pelo CDS-PP, onde teve a oportunidade de colaborar na criação do Testamento Vital.
“Estamos a falar de objetivos realistas que devemos propor às pessoas doentes e em situação de vulnerabilidade para atingirem. Olhe, por exemplo, poderem pensar que em determinado dia, que são tão frágeis, são capazes de se levantar, sair da cama e ir até à sala. Essa pode ser uma esperança e uma esperança concreta”, disse ainda.
Aliás, disse, a esperança “deve ser fomentada e trabalhada no âmbito dos cuidados de saúde” se calhar nem sempre numa perspetiva religiosa mas espiritual.
A conferência de Isabel Galriça Neto foi a segunda promovida pela Irmandade do Senhor Santo Cristo do milagres, em parceria com o Santuário, no âmbito dos 260 anos da Irmandade.
Isabel Galriça Neto é uma das convidadas das Jornadas de Formação do Clero. Esta manhã falará, de novo, sobre a Esperança no quadro da doença e depois participará numa mesa redonda com o padre José Júlio Rocha, capelão do Hospital do Santo Espírito, em Angra; João Aguiar e António Gonçalves.
As jornadas de formação do Clero são uma iniciativa do Serviço de Coordenação da Formação Diocesana, em articulação com a Vigararia do Clero, que visa a formação permanente do clero diocesano. O tema das jornadas advém do título da bula papal que promulga o ano jubilar. Durante três dias 60 sacerdotes foram convidados a refletir a virtude teologal da esperança e a sua importância no ministério pastoral.