Por Carmo Rodeia
Hoje apetece-me escrever um texto de “secos e molhados”, expressão que usso sempre que quero falar de vários assuntos sem aprofundar nenhum em especial, porque todos merecem uma referência ainda que sucinta.
O primeiro deles é necessariamente o regresso às aulas e com ele o retomar de rotinas quotidianas impostas por horários pouco flexíveis que obrigam a uma ginástica medonha dos pais que queiram verdadeiramente ser presença na vida dos filhos.
Um novo ano letivo começa. Se a disponibilidade dos alunos e a cooperação dos pais são factores indispensáveis para o sucesso, a verdade é que sem bons professores tudo fica mais difícil. Bem sei que às vezes se exige aos docentes uma combinação de talentos e competências difícil de alcançar mas também toda a gente sabe que os professores moldam vidas e são eles o coração do sistema de ensino.
Lembro-me de três professores que me marcaram sobremaneira em fases distintas da minha vida. Dois deles no Liceu e o outro na faculdade. Os primeiros eram professores de história- o professor Delgado e o professor Rosa Dias- ambos nos antípodas nos métodos e na conceção que tinham da vida e do ensino, mas ambos absolutamente marcantes pelo que nos faziam pensar para além da matéria e dos conteúdos obrigatórios. Já na faculdade e depois de todas as resistências a uma opção inesperada mas decidida de seguir comunicação social e, consequentemente, jornalismo, tive o grato prazer de conhecer Mário Mesquita. Um homem de grande craveira intelectual, de uma capacidade de escuta inigualável e sobretudo de um enorme bom conselho, que me fez confirmar a certeza da minha opção, ciente de que um dia, se chegasse a ser jornalista, ele era um dos meus modelos: isenção, rigor, inteireza. Hoje tenho grato prazer de contar com a sua amizade apesar da distância e dos desencontros.
Um bom professor guardamo-lo para a vida; marca-nos para sempre. Por isso, aos professores que agora começam o ano deixo uma palavra de reconhecimento (não é fácil estar numa sala de aula com alunos desinteressados com a vida, reivindicativos achando-se merecedores de todos os direitos e devedores de poucos deveres) pedindo-lhes que conservem o entusiamo do primeiro dia; não formalizem demasiado as relações; tentem perceber os interesses dos alunos, e mesmo cientes de que há um programa para cumprir não o façam maquinalmente e não se limitem a debitar matéria. Preocupem-se mais em estimular a curiosidade, ajudem-nos a saber pensar, a terem sentido crítico, a saberem construir relações, a terem valores e a não perder de vista a exigência, explicando-lhes o valor das regras e as consequências por não as cumprirem.
Esta semana ficou igualmente marcada pela morte de um bispo em funções. Não é muito usual. D. António Francisco dos Santos, bispo do Porto, com quem tive ocasião de privar algumas vezes, faleceu súbita e inesperadamente na segunda feira, aos 69 anos, vítima de um enfarte.
Estive com ele, à conversa, na tarde de sábado em Fátima, já depois da consagração da diocese a Nossa Senhora, na Capelinha das Aparições. Era um homem visivelmente feliz. Tinha conseguido reunir perto de 40 mil diocesanos na Cova da Iria.
“Não podemos viver distantes dos dramas humanos nem ficar insensíveis aos seus clamores e indiferentes aos seus sofrimentos” tinha afirmado na homilia da Missa da peregrinação diocesana do Porto, no Recinto de Oração, de onde desafiou os peregrinos “ a entrarem na vida concreta dos que sofrem”. Era o que ele fazia todos os dias, procurando, ao jeito do Papa Francisco fazer da igreja um constante hospital de campanha, disponível e aberto para acolher todos os feridos da rua. Era conhecido por atender toda a gente, de forma simples e bondosa, à maneira de Jesus. Sobre a igreja dizia muitas vezes em privado que se calhar era preciso “desassombrar” alguns temas mais fraturantes. Vai fazer falta no episcopado português e na igreja em geral.
Na diocese de Angra acerta-se o passo para o arranque de mais um ano pastoral. Problemas sociais, os jovens e a igreja dão o mote à ação pastoral de uma igreja que se quer fazer missionária. A continuidade da temática não significa apenas continuação da ação. Não pode significar! Os Açores constituem uma das dioceses com a média etária mais baixa do clero em Portugal. E embora, a diocese não seja imune à crise de vocações que avassala a igreja, vai conseguindo encontrar novos “operários para a messe”. Os últimos três, tal como os anteriores, são pastores de grande valor que muito poderão dar aos Açores.
Tal como um professor molda um aluno e marca-o para a vida, também um sacerdote pode marcar o entusiasmo de uma comunidade, sem que o contrário não seja igualmente verdadeiro.
O Papa Francisco pede aos padres que cheirem às ovelhas. Eu acrescento, para que não se cumpra o que diz o Salmo 115: “têm boca, mas não falam; olhos têm mas não vêem/ Têm ouvidos, mas não ouvem; narizes têm, mas não cheiram/ têm mãos, mas não palpam”…A rotina dos ritos e a rigidez dos códigos não chega para nos alimentar. E quando o coração fica vazio…não há entusiasmo que cresça.