Pelo padre Hélder Miranda Alexandre
A situação pandémica que alterou as nossas vidas condicionou e, em muitos casos, debilitou a pastoral e a liturgia das comunidades cristãs. É de louvar o esforço de muitos sacerdotes que, num espectro qualitativo muito variado, procuraram aproximar-se dos seus fiéis por meio das novas plataformas digitais. Na verdade, muitas comunidades disfrutaram da potencialidade e instantaneidade dos media e das redes sociais.
Um estudo recente, conduzido por Marco Rondonotti e Pier Cesare Rivoltella em 45 dioceses italianas para um universo de 3413 indivíduos, oferece-nos algumas conclusões muito pertinentes, semelhantes à nossa realidade (os dados estão disponíveis na Revista Tredimensioni 18/1 [2021] 69-81). Seria muito oportuno lançar a nossa Igreja Particular numa auscultação semelhante.
Segundo os dados recolhidos, metade das pessoas que afirmaram participar na Eucaristia reconhecem que não compreendem os gestos e as palavras da Liturgia. Por outro lado, a maior parte dos praticantes afirma que a sua fé é mais devocional ou habitudinária do que racionalmente fundamentada. Na verdade, a devoção pode e inclui a experiência da fé, mas também corre o risco de se confundir com gestos ou ritos simplesmente exteriores, vazios de sentido autêntico, roçando a superstição. Por outro lado, os autores apontam para a necessidade de se repensar a liturgia, de modo a torná-la capaz de entrar numa relação profunda com a cultura contemporânea.
Os dados indicam, por outro lado, que, durante a pandemia, os inquiridos preferiram mais as missas transmitidas pela TV do que aquelas visualizadas in streaming, através das redes sociais. Este dado surpreende, porque seria de esperar que os fiéis optassem por uma transmissão mais próxima, talvez do próprio pároco. Admite-se que a qualidade dos canais tradicionais determina a escolha. No entanto, também indica a cómoda adequação aos hábitos televisivos, sem ligação com a comunidade paroquial. Poderá também confirmar a ideia daqueles especialistas que apontam para uma protestantização crescente da fé, caracterizada pelo carácter subjetivo, enquanto simples expressão da singularidade psicológica e afetiva, típica da época pós-verdade. A liturgia tornou-se monólogo, cada vez mais à la carte, para aqueles que não entendem ou não querem assumir o papel da e na comunidade. Tornou-se mais cómoda, menos comprometedora.
Esta dimensão não desvaloriza o carácter positivo das tecnologias em ordem ao desenvolvimento da dimensão comunitária. Essas podem favorecer a circulação de informações e ativar as conexões relacionais, favorecendo uma identidade partilhada, com sabor a proximidade. No entanto, os inquiridos reconheceram que esse modo de atuar esconde os participantes e não facilita a colaboração, apesar da sua potencialidade.
Os números indicam também que os mais novos são os menos dispostos a partilhar conteúdos religiosos. Independentemente das motivações e dinâmicas próprias da cultura juvenil, esta tendência indica a falta de partilha de testemunhos de fé na web, apesar das propostas magisteriais em ordem à evangelização do digital. As idades mais propensas a partilhar conteúdos religiosos são as compreendidas entre os 41 e 55 anos.
Um dos serviços pastorais particularmente apreciado é o comentário quotidiano ao Evangelho. Tal indicador valoriza a importância da aproximação à Palavra de Deus, que faz repensar e meditar a própria existência. De entre os vários projetos encontrados nas redes sociais, permanece o essencial: o encontro com a Palavra, verdadeiramente “partida” por estas plataformas. Convém ter presente que é a Palavra que convoca a comunidade. O momento da celebração vem depois. Será bom continuar a valorizar o seu papel, mesmo depois da pandemia.
No âmbito do ensino, as tecnologias didáticas passaram de realidade acessória para uma necessidade. A pastoral teve de percorrer o mesmo sentido. No entanto, na realidade litúrgica, surge a necessidade de interrogar acerca de três variáveis: o tempo, a palavra e a psrticipção. Os tempos da liturgia e da sociedade divergem estruturalmente. Lentos são
os tempos da liturgia, velozes os da sociedade. A sociedade obriga a pensar em modo rápido. A liturgia convida à interioridade, à contemplação. Neste contexto, como e que pode ser e fazer o tempo litúrgico? A liturgia privilegia mediadores simbólicos, enquanto a sociedade privilegia mediadores icónicos. A palavra pede reflexão, argumentação, inteligência, escuta, enquanto as imagens são sintéticas, evocam sem definir, fundamentam-se em cores, luzes e efeitos. Os meios digitais podem servir para uma perspetiva de encontro?
A liturgia quebra a quotidianidade, convida à participação, facto que o homem contemporâneo não aprecia. Como afirmou recentemente o Papa Francisco, habituamo-nos mais aos like, do que aos ámen. Como inverter esta tendência? Sem interação, toque pessoal e proximidade a liturgia perde o seu sentido. Poderemos correr o risco de perder a comunidade e com ela o ser cristão.
Penso que a Igreja em geral entrou, forçadamente, num novo modo de agir. Como afirmou em Coimbra o Cardeal Tolentino, a “pandemia empurrou-nos para o futuro”. No entanto, o imediatismo não se coaduna com a contemplação. Por isso, embora necessitemos deles, os ritmos digitais nem sempre são boa pastoral.