Por Carmo Rodeia
Estamos a uma semana do inicio da campanha eleitoral que culminará no dia 14 de outubro, com eleições marcadas para o dia 16. Em disputa estão 57 lugares no Parlamento Regional açoriano.
No dia em que arranca a campanha começa também o novo ano pastoral na diocese de Angra, o primeiro inteiramente delineado pelo novo bispo residencial, D. João Lavrador. Na igreja não há lugares em disputa, mas os dois começos remetem-nos para uma questão que é transversal aos partidos e à igreja: a solidariedade
O Papa denunciou, este domingo, os “comportamentos estrábicos” de quem olha “com reverência as pessoas famosas e desvia atenção de tantos pobres e dos sofrimentos de hoje, que são os prediletos do Senhor”.
“A insensibilidade de hoje cava abismos, invencíveis para sempre. E nós estamos neste mundo, neste momento, nesta doença da indiferença, do egoísmo, da mundanidade”, alertou o Papa.
“Fazer história”, “não ostentar aparências nem procurar glória”, não “ser tristes nem lamentosos”, deixar a “negatividade” que culpa “tudo e todos” foram indicações deixadas por Francisco aos participantes na Eucaristia de encerramento do Jubileu dos Catequistas, celebrada este domingo no Vaticano.
É comum dizer-se que a solidariedade e a caridade fazem parte do ADN cristão. Mas se assim fosse, realmente, não teríamos tantos pobres nem tantos excluídos. Por vezes, distraímo-nos e esquecemo-nos que a humanização tem de ir mais longe que a norma jurídica e a tecnologia.
Olhando para os números com que fomos confrontados esta semana, que dão conta de que os Açores continuam a liderar os problemas sociais- dependência do Rendimento Social de Inserção ( cerca de 19 mil pessoas, mais de 6.500 famílias); rendimentos do trabalho mais baixos do que a média do continente; mais desemprego jovem e feminino; trabalho precário; níveis elevados de insucesso escolar – verificamos que há muito a fazer nestas ilhas pois a pobreza, sendo estrutural, não é uma característica endógena, deterministicamente ditada pela insularidade.
Quando a diocese de Angra – por sugestão dos Conselhos Presbiteral e Pastoral Diocesano- elegeu como prioridade a pastoral social mostrou o quão ciente está da existência destes problemas na sociedade açoriana. Por isso, esta opção responsabiliza todos.
Não basta sermos indivíduos ou cidadãos mas sermos pessoas não só com direitos e deveres legitimados pela lei, mas pessoas com coração, com afecto, com percepção, com sensibilidade, com vontade, com alma, com espírito, porque é aqui que reside o princípio da solidariedade.
Só ela, como a expressão cívica do bem comum, solidificada pela cultura do próximo e pelo princípio fundamental da Doutrina Social da Igreja, que é a centralidade da dignidade da pessoa, nos pode guiar neste caminho.
As tecnologias aproximaram-nos dos grandes centros urbanos e da modernidade, sobretudo nas ilhas maiores, mas há muitas outras que ficaram para trás, vencidas pela desertificação e pela falta de coesão. Citando o Papa Bento XVI, “a globalização fez-nos mais próximos, mais perto uns dos outros, mas não nos tornou necessariamente mais irmãos”. Falta-nos justiça social porque continuamos a conviver com a miséria, mesmo em zonas onde ela já não devia existir, com a exploração, com a relativização da vida, com a secundarização da família, com o isolamento, com a violência, com as enormes possibilidades tecnológicas do mal.
Por outro lado, a solidariedade nos Açores (tal como no país em geral) está muito sustentada no apoio financeiro que o Estado dá. Porque é que havendo esta consciência e sendo a questão social uma bandeira de todos os partidos não se fala disto?
Já sabemos que os pobres “não são um apêndice do Evangelho, mas uma página central sempre aberta diante de todos”. Será que os políticos açorianos, que na sua maioria se dizem cristãos, se esqueceram disto? Se calhar…