Delegado do Comité Pontifício para as Ciências Históricas propôs aos picoenses duas atitudes de Maria como forma de enfrentar as dificuldades do mundo: “o discernimento do mal” e “o anúncio da salvação”
O delegado do Comité Pontifício para as Ciências Históricas, o bispo português D. Carlos Azevedo, presidiu à festa do Centenário da chegada da Imagem de Nossa Senhora do Rosário à paróquia de São João, na ilha do Pico e desafiou os picoenses a deixarem-se “ conduzir e guiar” por Maria “para conhecer, amar e servir a Cristo”.
“Uma comunidade animada pelo vigor de Santa Maria será capaz de responder a este mundo desorientado e vazio”, afirmou o prelado na primeira de duas pregações sobre Maria, a Senhora do Rosário, que esta comunidade celebra de forma muito viva, particularmente neste ano em que se assinalam os 300 da erupção vulcânica que arrasou parte da localidade onde se situa a paróquia de São João.
“Na Senhora do Rosário vemos a mãe, consolidamos e amadurecemos a nossa relação com Deus na interioridade. Do interior se orientam as grandes decisões. Do interior damos espaço a Deus e aos outros” afirmou, lembrando, contudo que “a entrega” e a “disponibilidade” de Maria pressupõem um “itinerário de fé exigente” que não se compadece com “ a mediocridade espiritual que torna o cristianismo insosso, sem comunicação de novidade, sem transformação da história”. Por isso, é necessário que os cristãos aprendam dela duas atitudes: a capacidade de “discernir o mal” e a vontade do “anúncio da salvação”, sobretudo diante de um mundo cheio de problemas, dentro e fora da Igreja.
“ O mundo de hoje, a realidade económica e a vivência da Igreja atravessam grave crise. Não vai tudo bem, não senhor. Estamos a passar um momento de ainda abundância para alguns, mas o futuro próximo exige simplicidade de vida, como a de pescadores e trabalhadores do campo” referiu D. Carlos Azevedo denunciando o “luxo que convive com a miséria e aumenta o lixo”, uma sociedade “aparente, individualista, indiferente, materialista e tão vazia, tão insatisfeita, tão deprimida, tão só, tão drogada, uns mergulhados no trabalho, outros sem um emprego” ou uma economia que “não tem regras éticas, princípios elementares de humanidade feliz, porque esqueceu a dimensão espiritual”.
“Jesus entrega-nos Maria, a Mãe para vivermos despertos sem ceder à inconsciência, ao adormecimento social e eclesial, sem reparar que o barco se afunda”.
Maria “não nos deixa cair os braços em fatalismos pessimistas. Perante as dificuldades e os males não perdemos o entusiasmo” frisou ainda.
“Temos em quem confiar!”, enfatizou.
“Podemos estar confiantes na sua intercessão maternal, e sentir a sua presença em todas as horas, nas de mar agitado e na mansidão das ondas, na tempestade e no azul imenso da bonança”.
“Santa Maria diz aos seus filhos aqui reunidos: `Sede capazes de acolher a energia do Espírito Santo que faz novas todas as coisas. Não sejais indiferentes aos males do mundo. Reforçai valores, sintonizai uns com os outros, acabai com divisões.”
“Hoje, o rosário das alegrias e dores da humanidade, que o Papa Francisco vive tão intensamente, requer sabedoria para escutar, como Maria, o que Deus quer e conservar no coração a palavra que renova e alegra a vida. Esta é a salvação”, salientou.
“Maria não é estorvo, impedimento ou substituto para encontrar Cristo. Antes, Jesus quis tornar mais terno e meigo o nosso relacionamento com Ele, colocando Maria ao nosso lado”, concluiu.
“Mais do que nunca os crentes, os cristãos são convocados para a corresponsabilidade, a esperança construtiva de novidade” disse, interpelando os picoenses sobre “Como fazer de Deus uma boa notícia para este momento? Para as pessoas concretas? Como anunciar que há salvação, há remédio, há futuro aberto posto nas mãos humanas?” numa sociedade onde a vivência espiritual foi tomada por outros valores.
“Renovemos, hoje e aqui, a nossa esperança num mundo novo, onde o Deus absoluto não seja o dinheiro, as armas americanas, os imperialismos soviético ou chinês, os bancos, as leis, o terrorismo, as ditaduras. Com a mãe de Jesus ao nosso lado, Cristo ajuda-nos a superar as deceções, as frustrações, as fatalidades, as depressões”, exortou.
“Ao ter vivido antes de nós o itinerário da fé, Maria é exemplo para cada membro da Igreja. A espiritualidade cristã comporta esta entrega dos seguidores de Jesus à mãe do Salvador”, disse.
A festa de Nossa Senhora do Rosário começou no dia 29 de setembro e prosseguiu até ao dia 1 de outubro, dia principal da festa. Na homilia da Missa deste dia, o prelado português que vive em Roma apresentou Maria como “sede da sabedoria” , “da escuta e da atenção” e da “esperança”.
“Somos convidados a viver com sabedoria, a não arruinar o jardim da criação. Para destruir a maravilha do mundo, contribuem a falta de valores humanos, os interesses privados, a superficialidade, a estupidez. Descobrir serenamente a beleza dos limites da saúde, do tempo, das capacidades, exige muita sabedoria” afirmou D. Carlos Azevedo, que se referiu a Maria como a “mulher da atenção” não para preencher um vazio, mas a atenção “que acolhe, que ajuda, para dar felicidade a alguém”, porque “o dom de si é fundamental” na vida de um cristão.
“Quando a nossa vida, os nossos gestos enchem de alegria os outros e desponta em nós a alegria íntima, então é prova de que existe verdadeiro amor”, disse.
“Sinto como Maria que é preciso andar, que não há tempo a perder para levar Jesus a outras pessoas para manifestar a ternura”.
Finalmente, em Maria “radica o olhar luminoso de Deus sobre nós”.
“Maria apresenta-se como mulher da esperança, a pobre serva que se abandona absolutamente aos caminhos de Deus. Maria sabe que não é a fonte da luz, mas faz tudo para nos unir à fonte; Maria sabe que não é a Sabedoria, mas cumpre a missão de ser sede, colo da Sabedoria. Maria sabe que não é a vida, mas oferece-se como jardim onde brota o rio da vida”, afirmou.
“Como Igreja temos a missão de ser luz para o mundo, luz de esperança nesta hora do princípio conturbado do século XXI. Unidos a Maria perceberemos os contornos concretos do amor maternal de Deus nos nossos limites, que nos impele ao acolhimento da salvação e recorremos à ternura paterna de Deus em todas as ocasiões, com coração humilde”, concluiu.
D. Carlos Alberto de Pinho Moreira Azevedo foi nomeado, em 2011, delegado do Conselho Pontifício para a Cultura.
O bispo português, historiador de formação e membro da Academia Portuguesa de História, nasceu em Milheirós de Poiares, Santa Maria da Feira, a 4 de setembro de 1953; estudou nos Seminários do Porto e no Instituto de Ciência Humanas e Teológicas, doutorou-se em 1986, na Faculdade de História Eclesiástica da Universidade Gregoriana, em Roma, e durante esse período, colaborou na Secretaria de Estado do Vaticano, na secção de língua portuguesa.
D. Carlos Azevedo foi professor da Faculdade de Teologia da Universidade Católica Portuguesa (UCP) desde 1987 e vice-reitor da instituição académica (2000-2004); presidiu à direção do Centro de Estudos de História Religiosa da UCP, de 1992 a 2001, e dirigiu a obra ‘Dicionário e História religiosa de Portugal’, editada pelo Círculo de Leitores, tendo sido também presidente da comissão científica para a publicação da Documentação Crítica de Fátima (1998-2008).