Ex sacerdote, formado no Seminário de Angra, regressou aos Açores para participar numa formação para enfermeiros açorianos
As dimensões da formação humana, teológica e espiritual dos seminários são importantes mas a dimensão pastoral, naquilo que é a sua prática efetiva junto de uma comunidade, deveria ser repensada, afirmou esta tarde ao Sítio Igreja Açores Tobias Rodrigues, ex sacerdote da diocese de Angra, que participou nos últimos dois dias nas Jornadas de Enfermagem promovidas pela Escola Superior de Enfermagem de Ponta Delgada.
Questionado sobre o novo modelo de liderança em Igreja, que embora já venha desde o Concilio Vaticano II é agora colocada com outra perspetiva a partir da sinodalidade incentivada pelo Papa Francisco, o especialista em Estudos Bíblicos, que hoje é formador de lideranças na área dos recursos humanos nas empresas, não tem grandes dúvidas sobre o modelo de liderança que as sociedades requerem.
“O sacerdote até pode mandar na paróquia, mas a paróquia precisa de mais gente para funcionar. E das duas uma: ou o pároco precisa de estar presente para que tudo funcione ou há um modelo de aprendizagem mútua, em que a liderança é partilhada e faz-se em caminho com todos” refere lamentando que hoje ainda possam existir lugares onde “se tratam as pessoas como crianças”.
“Não sei se a instituição confiará bem na maturidade das pessoas, isto é, a Igreja enquanto organização até pode estar preparada para assumir esta ministerialidade , mas não sei se os padres estarão; quero, no entanto, acreditar que o Espírito Santo atuará”.
“Um dos defeitos que a Igreja tem como sistema é criar determinadas estruturas que não são independentes das pessoas que ocupam os cargos e isso faz com que não haja nada que nos impeça de usar e abusar das funções que desempenhamos”, prossegue.
O que é que quer dizer com isto?
“É que é muito injusto que um jovem com 23 ou 24 anos possa tomar conta de uma paróquia que mexe com a vida das pessoas; esse jovem precisa de ser apoiado e não ser só ele a decidir porque vão ser muito evidentes os erros e os problemas”, adianta lembrando ao longo da conversa a sua primeira colocação na ilha de Santa Maria, onde foi pároco.
Com uma filha de 10 anos e a residir fora do país, lembra que o tempo da Igreja não é o mesmo tempo da sociedade e por isso “são frequentes os desajustes em várias matérias” como as relativas ao género, que condicionam o acesso das mulheres ao sacramento da Ordem, o celibato obrigatório dos padres ou as matérias da sexualidade em geral.
“Isso provoca desencanto e desalento” refere sublinhando que esse pode ser um sentimento mais generalizado se do Sínodo não saírem algumas questões e decisões práticas.
“A Igreja tem um apego ao magistério e a algumas coisas que se dizem na bíblia, criando-se muitas vezes um beco sem saída. Jesus foi um disruptor fantástico. Quem sabe se poderíamos ter menos apego à Teologia e ao magistério e deixássemos de legitimar muitas coisas que carecem dela”, diz ainda.
“O peixe não vê a água; é como nós quando estamos metidos dentro das coisas. Por vezes é preciso distanciamento critico e esse distanciamento tem faltado de alguma maneira”, refere ainda.
Grato ao Seminário e “à esmagadora maioria” de professores que o formaram, destaca que a componente prática nos Seminários ainda fica aquém do desejável.
“Não ficamos preparados para esta dimensão humana e prática; há esta falha. Como lidamos com um conselho pastoral; como fazemos um funeral e por aí fora…”
“Nesta caminhada sinodal seria importante ir testando algumas coisas do que se vai dizendo e escrevendo para ver se o caminho é este senão corremos o risco igual ao de uma fábrica de automóveis, que investiga a tecnologia, decide colocá-la no fabrico de um carro, mas depois quando o carro vai para estrada afinal não presta. Se vamos levar anos e depois não muda nada ganha-se desencanto e perde-se credibilidade e relevância”, conclui.
“Às vezes apetecer dizer: vamos deixar-nos de conversas e vamos resolver um problema concreto e um dos problemas mais concretos da atualidade é a busca de sentido para a vida”, diz, por outro lado.
“Esta pode e deve ser a saída da Igreja: atender às necessidades especificas; creio que estamos a fazer diagnósticos de coisas que já não existem. O peixe tem de sair da água”, conclui.
Pensar a Enfermagem: Práticas, Desafios e Oportunidades” foi o tema das Jornadas de Enfermagem que decorreram entre 24 e 26 de janeiro de 2024, em Ponta Delgada que abordou questões como a psicologia do acompanhamento em ambiente hospitalar, as perdas, o luto e o sofrimento em geral seja de quem procura o hospital seja do lado dos cuidadores.