Por Carmo Rodeia
Gosto da ideia de um padre que cheira às ovelhas do seu rebanho, que as chama pelo seu nome e elas escutam a sua voz; vai à frente delas e elas seguem-no; vai à procura delas sempre que se dispersam e quando as encontra coloca-as nos ombros e orienta-as para um regresso ao redil, porque o Bom Pastor é aquele que zela pela unidade de um só rebanho.
A alegoria do Bom Pastor, no Evangelho de São João , a que o Papa Francisco deu uma visibilidade maior, é uma das mais bonitas dos Evangelhos e aquela que melhor define o Bom Pastor à imagem do Bom Jesus como aquele que se entrega ao serviço generoso à comunidade que lidera, fazendo-se próximo, entregando-se ao serviço, oferecendo o perdão sem julgar, disponível para correr riscos… E nunca mais acabaria.
O pastor que apascenta as ovelhas e nunca as divide porque todas valem o mesmo e merecem o melhor acolhimento, é a grande boa nova do Evangelho porque assenta no amor, condição primeira e última de salvação. Sabermos que neste pedaço de vida temos alguém que encarna o papel do Bom Pastor, a quem podemos olhar, olhos nos olhos, como referência, mas também como abrigo, é tão reconfortante como sabermos que no fim, quando terminarem os dias corridos da nossa existência, haverá sempre um lugar no Céu.
Foi este porto de abrigo, esta referência e este carinho de Pai que encontrei sempre no Senhor D. António de Sousa Braga. Este domingo celebra as bodas de ouro da ordenação sacerdotal.
O nosso caminho cruzou-se muitas vezes, umas de forma mais institucional outras, felizmente, de forma mais próxima, muito mais próxima. Chegámos, de malas feitas, para ficar mais ou menos na mesma altura, em meados da década de 90 do século passado. Saímos da região também no mesmo ano. Julgo que deixamos a ilha da pior forma, trazendo-a connosco que é sempre aquela condição de ilhéu que só os que a vivem e a sentem, nas entranhas da alma, percebem. Viemos com desejo de regressar porque a ilha é o único porto seguro que conhecemos. Não sei se porque a vivemos à distância, porque temos Saudade, como na canção, ou só porque é uma coisa nossa.
D.António de Sousa Braga foi o segundo bispo de Angra, nascido nos Açores, em quinhentos anos de histórIa da diocese. Marcou um tempo de mudança política no arquipélago; tratava quase toda a gente por tu na sua simplicidade de mariense, habituado que foi desde tenra idade a ensinar que a copeira do Espirito Santo tem sempre lugar para mais um que vier por bem.
Do seu episcopado ficou tanto trabalho ao longo de mais de 20 anos de serviço, no Seminário, junto dos padres e dos leigos, enfrentando várias situações com grandes dificuldades , sobretudo económico-financeiras. A marca da proximidade é, aliás, a que mais destacaria.
Guardo do Senhor D. António a presença de uma pessoa muito humilde e com muita cultura mas fazendo prevalecer sempre o seu cristianismo e a sua caridade. Foi e é um homem com tempo: teve sempre tempo para receber, ouvir e deixar uma palavra aos padres, aos leigos, a todos os que o procuravam. Era sempre o primeiro a chegar e a deixar uma palavra de conforto, sem deixar de ser humano, e portanto, pecador. Talvez por ter essa consciência deixou uma diocese aberta, sobretudo do ponto de vista pastoral.
Lembro-me quando fiz a notícia da sua despedida, e numa das homenagens públicas que lhe fizeram, o Presidente da Cãmara de Angra, que o tornou cidadão honorário da cidade património, me dizia “ele foi um de nós”.
É isto que se pede a um pastor. É daqui que vem a sua autoridade.
Se tivesse de voltar a escrever um perfil do D. António não hesitaria em dizer a dada altura do texto: “Um homem bom, com o coração maior que os Açores”.
(Este texto foi publicado numa colectânea de textos de homenagem promovida pela família Dehoniana, a família religiosa a que pertence e que generosamente me solicitou um testemunho sobre o bispo emérito de Angra, D. António de Sousa Braga)