Por Carmo Rodeia
O título que dá corpo a este Entrelinhas é tirado da edição desta quarta feira do jornal Guardian que, por sua vez, cita os bombeiros da Grécia, onde a tragédia dos incêndios põe a nu, uma vez mais, a arrogância e a displicência do homem.
Ninguém consegue entender um terror como este. Há um ano as vítimas eram portuguesas, de Pedrogão Grande. Mais tarde viriam a ser de Figueiró dos Vinhos e de outros lugares da zona centro de Portugal.
Nunca se está preparado para a morte, sobretudo quando ela é absolutamente inesperada. O choque, a raiva e a impotência fazem de nós espectadores atordoados perante a tragédia. Desta vez na Grécia: gente de pijama a fugir das chamas em direção ao mar; uma estrada de cheia de carros ardidos, mais de duas dezenas de pessoas encontradas mortas, algumas abraçadas. É mau de mais. E nem o alívio das declarações de quem escapou da morte certa nos faz esquecer ou sequer desviar as atenções do horror que as televisões e os relatos dos sobreviventes nos contam diariamente desde que começou esta tragédia grega.
O calor que em junho de 2017 se fazia sentir no interior de Portugal e os 40 graus que agora marcam os termómetros na Grécia e que não dão tréguas aos bombeiros; os pedidos de ajuda internacional; e os relatos de cada testemunha remetem-nos para um `déjà vu´impensável, numa sociedade desenvolvida.
Em Portugal era o interior. Na Grécia é o litoral. 77 mortos e mais de 200 feridos, para além de um número indeterminado de desaparecidos. E um pedido- do procurador do Supremo Tribunal grego – a solicitar uma investigação à alegada lentidão do Estado na resposta de emergência. Importam-se de repetir? Onde é que já ouvimos isto?
Numa primeira análise as autoridades gregas concluem: o desordenamento urbanístico, a construção desenfreada ou a falta de planos de emergência explicam para já de forma imediata a dimensão da tragédia. Outra vez: onde é que já ouvimos isto?
Nádia Piazza, presidente da Associação de Vítimas do Incêndio de Pedrógão Grande, escreveu num texto para o Expresso Diário que “O fogo não escolhe classes, nacionalidades, etnias nem credos. Arde onde há desleixo. Ardeu a pobreza de Pedrógão Grande, ardeu a riqueza de Mati. E arderá todos os sítios onde o desleixo e a incúria reinarem.”.
Em 2011 quando a troika cá chegou, e também chegou à Grécia, a narrativa política da altura dizia: Portugal não é a Grécia; pois não… a Grécia é que é como Portugal! E como todas as partes do globo onde o Estado e os particulares se demitem das suas funções.
Por estes dias de angústia e desespero li algures que a “tragédia grega moderna é a democracia”. A Grécia está transformada num verdadeiro “hospital de campanha” e, tal como o nome indica, aqui a prioridade é curar dos feridos e dos mais frágeis. Mas não podemos ignorar que algo vai mal. Não podemos ignorar que a especulação imobiliária e os interesses menos claros tomaram conta da nossa `casa comum´e isso não é bom .
É, como diz o Papa Francisco na encíclica verde Laudato Si, um problema que diz respeito a todos e faz com que a “nossa casa comum sofra tanta miséria e clame por soluções efetivas, realmente capazes de superar os egoísmos que impedem a realização desde direito vital para todos os seres humanos”, que é habitar condignamente o planeta terra. Nuns casos é o sub-desenvolvimento; noutros são as consequências do desenvolvimento. E onde fica a responsabilidade?
Cada vez mais é evidente que não podemos separar os problemas ambientais com que estamos confrontados dos aspetos sociais, económicos, culturais e políticos inerentes à vida de cada pessoa e das sociedades.
O atual modelo de crescimento económico e a cultura de descarte que lhe está associada, mas também a cultura e a ideia que o ser humano faz de si mesmo como pessoa e da relação que estabelece com a casa comum são determinantes nesta equação. Não somos donos; somos apenas administradores. Mas não há maneira de assimilarmos isso. Será assim tão difícil questionarmos o modo como produzimos, como construímos, como consumismo, como nos deslocamos, como nos relacionamos ou como organizamos a vida em comum e o impacto ambiental que tudo isso tem?
Vivemos em Democracia. Em Portugal e na Grécia. E em tantos outros países. Mas parece que este sistema se traduz apenas numa forma de escolha de quem governa o Estado, sendo o Estado o conjunto da máquina que organiza a sociedade. A democracia permite que as mudanças de poder ou de Governo sejam pacíficas. Mas é pouco, muito pouco.
Winston Churchill dizia na Câmara dos Comuns, em novembro de 1947, que “a Democracia é a pior forma de governo, à exceção de todos os outros já experimentados ao longo da história”. O aparente paradoxo da frase do antigo primeiro-ministro britânico ajuda a explicar, em certo ponto, esta desconfiança com o atual estado deste sistema. E se calhar até explica os movimentos populistas que estão, infelizmente, a germinar em todo o mundo.
Mesmo sabendo que a democracia perfeita é um mito era bom que nos regimes democráticos o escrutínio das políticas e da ação dos nossos governantes fosse mais eficaz e não se traduzisse apenas num voto de quatro em quatro anos.
Não está sequer em causa a certeza de que a Democracia traz melhor nível de vida, melhor Saúde, melhor Educação, melhor convivência, liberdade, igualdade de oportunidades… mas também deve trazer maior exigência, maior escrutínio e maior capacidade de pensar no bem comum- dos governantes e dos governados. Numa aproximação à lógica do tempo atual é já uma questão de sobrevivência individual…