Por Carmo Rodeia
Os deputados da Nação tomaram posse. Entre eles o recém eleito André ventura, líder do partido Chega. Quer ele quer a nova deputada do Livre têm sido notícia por todos os motivos, desde a gaguez à vizinhança proscrita, passando pelas saias do assessor e pela ligação ao Benfica, mas até agora ainda não vi nenhuma referência concreta sobre o que defendem. Estes pequenos partidos chegam ao parlamento depois de amealharem o voto dos descontentes com os partidos ditos tradicionais. À esquerda há uma certa orfandade verde e por isso partidos como o Livre ou o PAN ocupam esse espaço sem que consigamos perceber efetivamente qual é a sua agenda. Mas não será de estranhar que onde estejam os temas fraturantes lá estarão eles a dar sinais de uma pretensa modernidade, que tantas vezes sacrifica a dignidade humana em função de outras opções respeitadoras da natureza… animal. Mas, no caso do Chega, a conversa é outra. Pela mão de André Ventura- e pelo voto de 66 mil portugueses que o elegeram- o populismo nacionalista chegou ao Parlamento. O Chega, à semelhança dos restantes partidos de extrema-direita da Europa, alimenta-se dos descontentes e fala ao coração das pessoas sobre os temas e as verdades que elas querem ouvir. Independentemente de serem mais à esquerda ou à direita. O Chega está a crescer, por exemplo, nos terrenos que deviam ser do PCP, tal como aconteceu com a extrema direita francesa, que tem a sua base principal de apoio em municípios como Marselha. E isto acontece não porque Portugal passou a ser comunista ou fascista mas porque há franjas de descontentes seduzidos pelo canto de sereia destes líderes, no qual André Ventura é exímio. Não tarda estará a entrar também pelos temas fraturantes, queridos à tal esquerda, como o aborto e a eutanásia, mas defendendo posições mais próximas da Igreja. A experiência americana pode ensinar-nos. Entre os apoiantes de Trump estão muitos católicos fervorosos porque ele, tal como alguns líderes xenófobos europeus têm “comprado” o seu apoio em troca de leis anti-aborto, como já aconteceu na Polónia ou na Hungria.
Este mal pode crescer e é para levar a sério. Ignorar o fenómeno ou desvalorizá-lo, porque Portugal é um país de brandos costumes e não passa disto, é fazer como a avestruz. Ser cristão significa pôr em prática a boa nova do evangelho. Um partido que destila veneno contra as minorias ou defende soluções como a pena de morte não é um partido cristão. A vida é um valor inviolável. A sua defesa, acrescentando-lhe a exigência da dignidade, é um património cristão inalienável, que partidos como o Chega negam todos os dias.
A União Europeia funda-se no respeito pela vida e pela dignidade de todas as pessoas. Diante da tragédia humanitária, estes valores impõem-nos uma obrigação: salvar a vida de todos, sem excepção. Eis o que visa a resolução aprovada pelo Parlamento Europeu e que mereceu o voto contra e a abstenção de alguns eurodeputados portugueses, todos de matriz cristã. Já tive ocasião de ir ver o documento e discordo de muitos dos pontos nele contidos. Sobretudo porque são imprecisos e podem dar aso a várias interpretações e explorações. Mas, na lógica anterior, o que sobreleva da resolução, feita à pressa pela tal esquerda moderna, é a primazia do direito à vida. E quando numa travessia do Mediterrâneo está em causa uma vida humana, antes de saber se é imigrante ou refugiado o que devemos perguntar é se conseguimos salvar a pessoa, transformando as águas quentes numa ponte rumo à vida ou se a empurramos para a vala comum em que se transformou o Mar Mediterrâneo.
Esta opção é que marca a diferença sobre se queremos uma Europa fria e obcecada pelo défice ou uma Europa solidária, humana e fiel aos princípios fundadores cristãos. Há um ditado português muito pertinente que diz: `quem comeu a carne que roa os ossos´. Não podemos aceitar todos os imigrantes mas é nosso dever acolher todos os refugiados, que ajudámos a criar tantas vezes, apoiando guerras fratricidas entre países e grupos, de geometria variável, consoante os nossos próprios interesses.
A escolha é sempre nossa. A liberdade, a par do amor, é a grande virtude do Cristianismo. Viver bem uns com os outros, respeitando todos, incluindo a natureza, é um grande desafio do nosso tempo. É quase como definir um bem-viver de acordo com as bem-aventuranças do Evangelho. Tenho dúvidas de que o consigamos tal é o desíquilibrio que fomos criando na terra: entre ricos e pobres; entre homens e mulheres; entre países e cidades… entre fracos e fortes, genericamente falando.
O documento final do Sínodo sobre a Amazónia, votado e aprovado, já está em circulação. Precisaremos de esperar agora pela interpretação que o Papa vai fazer e aí sim teremos um programa para toda a Igreja. Parece-me que o mais fácil de resolver são, porventura, as questões que alguns grupos mais pequenos, mas muito ruidosos, dentro da própria Igreja, querem abafar. A Igreja pugna pela comunhão. Para que a unidade se fortaleça, com a diversidade de carismas, tão elogiada pelo Vaticano II, “é preciso saber discernir o que são os dons do espírito criador e o que resulta da disseminada vontade de dominação”, como bem sublinhou Frei Bento Domingues no artigo deste domingo no Público. Falo da ordenação de homens casados e da possibilidade de novos ministérios ordenados para as mulheres. O que vai além das questões relacionadas com as regras da disciplina hierárquica há de ser mais difícil de resolver. A começar pela desejada Ecologia integral. Seria preciso que os ricos ficassem pobres e os pobres ficassem ricos, para se colocarem no lugar do outro e, os mais poderosos perdessem a vontade de dominar. Não será na minha geração e temo pela dos meus filhos.