Por Carmo Rodeia
Hoje assinalamos o Dia do Trabalhador. As centrais sindicais saem à rua, em todo o mundo, para lembrar os direitos dos que trabalham mas também para não deixar cair no esquecimento aqueles que tardam em ter o direito ao trabalho.
Em Portugal, os números do final do mês de abril apontam para um recuo da taxa de desemprego: 6,4%, isto é , 336.300 pessoas desempregadas, com uma boa noticia dada pelo Instituto Nacional de Estatística(INE) indicando que o desemprego jovem está a diminuir. Por outro lado, os dados do INE lembram que no final de fevereiro deste ano 4.846.000 mil pessoas, dos menos de 10 milhões de portugueses, estavam empregadas.
Em todo o mundo existem 212 milhões de pessoas desempregadas (dados de janeiro deste ano), o que corresponde a mais de 6% da população mundial. 1,5 mil milhões têm empregos precários ou informais. A Organização Internacional de Trabalho (OIT) garante que a situação vai piorar, estimando que, nos próximos dois anos, 11 milhões de pessoas perderão o seu emprego.
Se somarmos a isso as desigualdades na repartição da riqueza, cada vez mais gritantes, teremos uma situação explosiva. Recordo, a este propósito, o último relatório da OXFAM, que dava conta no inicio deste ano que a fortuna dos multimilionários cresceu 12% em 2018, a um ritmo de 2200 milhões de euros por dia, enquanto a riqueza da metade mais pobre da população mundial reduziu 11%. Isto significa que a metade mais pobre da população mundial, segundo o documento, corresponde a cerca de 3800 milhões de pessoas. Gente que não tem trabalho ou que vive em situação de exploração continua, com menos de um dólar por dia, embora trabalhe que se desunhe, mais de 12 horas por dia, em situações ignóbeis e de fazer corar o mais cruel carcereiro.
Ter trabalho é fundamental para qualquer ser humano. É a forma de garantir o próprio sustento mas é muito mais do que isso: é participação, é pertença, é, em certo sentido, ser útil.
Quando em janeiro de 2011, a pretexto da crise, da necessidade de conter custos e de equilibrar as contas, me chamaram à administração do Açoriano Oriental e me anunciaram que o meu posto de trabalho iria ser extinto, a maneira moderna de dizer que me iam despedir, a mim e a mais seis ou sete pessoas, fiquei petrificada. Eu que tantas noticias tinha feito, ao longo de mais de 20 anos de jornalismo, sobre o desemprego e os despedimentos injustos em nome de valores (ou da falta deles!) estava agora a ser apanhada na mesma teia. Num momento absolutamente importante da minha vida (e todos os momentos são importantes, embora uns mais exigentes que outros!), a caminho da meia idade em que tudo fica mais difícil; em que a experiência, o saber e conhecimento acumulados se tornam até um embaraço por poderem representar, em algumas ocasiões, “excesso de qualificação”, como me foi dito quando, desesperadamente, comecei a procurar alternativas fora do âmbito do jornalismo, e todas as portas se fechavam.
Hoje, falo do assunto sem problemas mas, naqueles dias que se seguiram ao despedimento, a sensação de vazio, de impotência, de culpa, de falta de préstimo, de desespero… e até de desejo de morte preenchiam os dias, num limbo entre o disfarce aparente de tranquilidade e os destroços de uma vida interior completamente despedaçada. Até essa altura não tinha valorizado a importância efetiva do trabalho, embora sempre tivesse trabalhado com zelo e muito empenho desde os 18 anos, ainda a começar a faculdade e a formação superior. A partir dessa altura senti-me descartável e descartada. Roubada na minha dignidade, na esperança e na alegria de viver. É isso que a falta de trabalho faz!
Trabalhar significa cuidar da vida, possibilitar a elevação da auto-estima e o progresso da vida humana. Trabalhar significa pertencer. O trabalho é, por isso, fundamental no desenvolvimento integral: das pessoas, das comunidades e da sustentabilidade ambiental. E, de preferência, o trabalho digno e justamente remunerado.
Deus fez-nos criadores e livres. Pelo trabalho Ele quer que participemos da sua obra criadora porque, na medida que o fazemos, estamos a estabelecer as relações de solidariedade, de fraternidade e de comunhão. Estamos a transformar o mundo e a transformarmo-nos a nós mesmos, humanizando-nos e humanizando o mundo.
“Vai, faz crescer a terra, trabalha a terra, domina-a”; “No suor do teu rosto comerás o teu pão” (Gênesis 3:19). O Senhor disse ao povo de Israel: “Seis dias trabalharás” (Êxodo 20:9). O Evangelho fala da vinha do Senhor, para onde vão os trabalhadores, com o objetivo de fazê-la produzir frutos bons (Mt 21,33s).
É bom de ver, que sempre houve uma amizade entre a Igreja e o trabalho, a partir de Jesus. Infelizmente, nem sempre isso tem sido claro ao longo da história. Nem sempre isso é claro hoje. Sobretudo na sociedade em que vivemos.
Num verdadeiro sistema económico, no centro devem estar o homem e a mulher, a pessoa humana. E hoje, no centro, estão o dinheiro e outros valores.
É por isso que todos os dias contribuímos para uma sociedade de descartáveis…no trabalho e na vida.