Todos, todos, todos?

Foto: Facebook do padre Hélder Miranda Alexandre

Rubrica “Ecos da Sé”, pelo padre Hélder Miranda Alexandre

Uma avaliação, mesmo superficial, da realidade da Igreja nos Açores não se afasta de uma sensação de Igrejas vazias, pincelada por felizes exceções, no tempo e no espaço. Muitos se referem a uma crise que pode desanimar os mais otimistas: um Seminário vazio e ausência de vocações consagradas, falta de jovens nas comunidades, leigos envelhecidos e cansados, com formação deficitária e uma sociedade civil em contracorrente. As respostas dos conselhos pastorais estão há muito identificadas: mais dinamismo, mais formação, melhor adequação da linguagem e mudança de leis e paradigmas do passado… muitas propostas inspiradoras, mas, por vezes, de difícil concretização. Continuamos a convocar conselhos para as mesmas análises. Na aurora de um novo episcopado regressa a esperança, mas os modos de ação repetem-se e a Igreja tarda em descolar…

Que se quer realmente? Está na hora do “todos, todos, todos”, uma expressão, no mínimo temerária, e mal explicada. Quando o Papa Francisco a proclamou na JMJ 2023 de Lisboa, o contexto era muito específico. Estava diante de uma multidão entusiasta e cheia de vitalidade. Usar esta expressão para tudo soa a mais um mote da moda que depressa se esgotará.  Esta multidão juvenil diluiu-se na sociedade. Tem de ser fermento e não massa!

Surgem ambiguidades e confusão em torno de dogmas, da doutrina moral e da ordem espiritual. Muitos concluíram que a Igreja não tem autoridade moral para os orientar. A avaliar pelos relatos sobre o uso contracetivos, pelo número de filhos, pelas taxas de aborto, divórcio e segundos casamentos, a vida familiar dos católicos tornou-se estatisticamente indistinguível da vida do mundo secular. Dizem que baixamos para cerca de 15 % de participação dominical regular, mas falta um estudo aprofundado, que, há muito deveria ter sido feito.

Em 2002, o escândalo dos abusos sexuais abateu-se sobre os já atordoados católicos qual gigantesca inundação de água de esgoto. Desde o século XV e dos tempos do Papa Alexandre VI que a reputação da Igreja não era tão má.

No entanto, estamos na iminência de mais um jubileu, este da esperança. Parece-me que os números não nos devem assustar, mas refletir na seriedade do caminho. Queremos Igrejas cheias, de que temos saudades, ou queremos ser seguidores do Mestre? A Igreja precisa da identidade que a fez nascer, a de ser testemunha do Evangelho, ser veículo para Jesus, e não se deixar conduzir pelas correntes do mar alto.

A expressão “todos, todos, todos” pode ser temerária e muito instrumentalizada. Jesus acolheu todos os que se dispuseram a Ele, mas muitos O recusaram. No final, Ele ficou só no alto da cruz e prometeu aos seus discípulos que seriam perseguidos do mesmo modo.

Desde o início que os Apóstolos também recusaram o que não podia fazer parte da comunidade: o pecado grave. Os textos de Paulo permitem-nos ter conhecimento de como as comunidades cristãs se comportam perante o pecador. Além dos textos que se referem à correção feita pelo chefe da comunidade ou de quem possui o Espírito Santo, Paulo indica-nos a prática concreta da exclusão, em que se  distinguem três elementos essenciais: a) a exclusão acontece por motivos graves e evidentes (Cf. 2 Ts 3, 6-15; 1 Cor 5, 9-11: ociosidade que se torna um peso para a comunidade, incesto, fornicação, avareza, furto, idolatria, maledicência, embriaguez…); b) a exclusão é feita por meio de uma espécie de sentença realizada por Paulo ou pela comunidade em nome e com a autoridade do Senhor (1 Cor 5, 3-4, 12-13; 2 Cor 2, 6.10; 13, 2-3.10); c) a excomunhão é medicinal, porque evita o contágio do mal na comunidade, mas também reserva um espaço para a conversão do pecador (1 Cor 5, 1-13; 2 Cor 2, 6-11; 7, 8-11; 2 Ts 3, 6-15; 1 Tm 1, 20).

Por isso, nem tudo pode ser admitido. Nem todos estão em condições de fazer parte da comunidade cristã, por muito que nos custe dizer isso. A exigência do Evangelho exige que sejamos fiéis ao depósito da fé que recebemos. Tal não significa, no entanto, excluir os irmãos, mas procurar um caminho de conversão e fidelidade ao que o Mestre nos ensina por meio do Espírito Santo.

*O padre Hélder Miranda Alexandre passa a assinar a sua opinião com a designação de Ecos da Sé

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