Pelo padre José Júlio Rocha
Velho, corcunda e gordo, amante de charutos e de uísque, aquele sarcástico, decrépito, fleumático inglês, detentor de dois prémios Nobel, um da paz e outro da literatura, com o nome de Winston Churchill, afirmou sem meias medidas que “a democracia é o pior dos regimes, à exceção de todos os outros.” Mais razão não lhe pode ser dada. A democracia emperra muitas vezes, são necessários consensos, opiniões, qualquer iniciativa num regime democrático é muito mais trabalhosa que numa ditadura. Nesta, dita-se e tudo está feito, a ditadura é célere, eficaz. A liberdade é um caminho difícil: que o diga o Povo de Israel que provou o custo amargo da liberdade: o deserto, a fome e a sede, a tremenda responsabilidade de se autodeterminar, de lutar pela sobrevivência até ao ponto de o povo começar a suspirar pela escravidão do Egito, onde ao menos tinham panelas de carne e cebolas para comer, não era aquela miséria do deserto, o futuro incerto.
Tal como o Povo de Deus, a civilização ocidental começa a ficar cansada da democracia e, consequentemente, da liberdade, as abstenções eleitorais com níveis recorde, cerca de 50% dos jovens norte-americanos já não acreditam na democracia, gurus radicais vão surgindo do nada e pescando de arrastão o povo descontente, o futuro é uma incógnita daquelas que assustam. Diz-se, e é verdade, que é fácil ser totalitário num país livre: difícil é ser livre num país totalitário.
O que é que vai acontecer nos Açores no próximo domingo, quatro de fevereiro? Isso mesmo: eleições! Pela enésima vez os Açorianos, acostumados a ficar em casa nesse dia, vão eleger, provavelmente, o seu partido desde há muito preferido: a abstenção. A mim, isso parece-me grave. Ou a maior parte dos Açorianos não imagina a gravidade de uma abstenção tão elevada ou, para eles, viver em democracia ou ditadura tanto se me dá como se me deu.
Talvez por isso, seja de boa oportunidade relembrar – ou ensinar pela primeira vez – os princípios básicos de um Estado de Direito Democrático, que é aquilo que – espero – a esmagadora maioria dos açorianos apoia.
Bem Comum: é o princípio básico, fundamental e incontornável de qualquer Estado de Direito Democrático. Todo e qualquer governo democrático serve o Bem Comum. Isto quer dizer que o bem de todos é mais importante do que o bem de um grupo ou de uma pessoa. Um exemplo claro é quando se pretende construir um hospital ou uma estrada ou qualquer infraestrutura que sirva a população. É necessário adquirir terrenos e, quando os proprietários não aceitam, procede-se à expropriação porque o bem comum (hospital) é mais importante do que a propriedade privada. A saúde é um bem comum, tal como a justiça, a liberdade, etc. O mesmo se pode dizer de bens físicos, como a água, um hospital, uma estrada, o ar que respiramos, etc. O Bem Comum é gradativo: o bem da família é mais importante do que o meu bem individual, o bem da comunidade é mais importante do que o bem da família, o bem do concelho mais do que o bem da comunidade, o bem da Região mais importante do que o do concelho, o bem do País mais do que o da Região. O que a esmagadora maioria dos estadistas do mundo ainda não assumiu é que o bem universal, o bem do Planeta é mais importante do que o bem de cada país: por isso as guerras, as geopolíticas nacionalistas, a negação dos acordos para travar a emergência climática. Quem vai votar tenha consciência de que forças políticas respeitam melhor ou pior este fator essencial.
Participação: é aquilo que mais diferencia uma democracia de uma ditadura. Numa ditadura, os cidadãos não participam na governação, ao contrário da democracia. Talvez a forma mais visível de participação seja o voto nas eleições, em que o povo escolhe quem o vai governar. Mas há muitas formas de participação na democracia: desde já, quem quiser pode propor-se a participar na vida política do seu país, região, concelho ou freguesia. E depois há outras formas de participação não propriamente partidária, como seja pertença a grupos e associações culturais, desportivas, sociais, religiosas, económicas, empresariais, etc. São os chamados “corpos intermédios”, ou seja, instituições que medeiam entre o indivíduo e o estado. Um Estado de Direito Democrático deve promover a participação de todos na vida pública tal como os cidadãos têm o dever de participar, de várias formas, nessa vida pública.
Subsidiariedade: Decorre, necessariamente, do princípio da Participação. Um Estado de Direito Democrático é necessariamente subsidiário. Pressinto alguns arrepios na espinha de alguns leitores, mas é preciso distinguir um Estado subsidiário de um Estado “subsidiarista.” Sabemos dos males da subsidiodependência, mas não confundamos as coisas. Numa democracia a prioridade é dos cidadãos e o estado não se pode imiscuir nas iniciativas dos cidadãos a não ser que essas iniciativas lesem os princípios do Estado de Direito. A essência do Estado não é fazer tudo mas deixar os cidadãos terem iniciativa. E apoiar essas iniciativas que enriquecem de várias formas um país, tendo em atenção especial os mais desfavorecidos, porque Subsidiariedade é também solidariedade. Se um grupo de cidadãos quer fundar uma filarmónica é dever do Estado não fazer a filarmónica mas apoiar a iniciativa dos cidadãos. O excesso de subsidiariedade pode ser tão prejudicial como a ausência dela. É fácil compreender como um estado totalitarista substitui a iniciativa dos cidadãos como um estado híper-capitalista/liberalista abandona os cidadãos à sua sorte. É necessário um equilíbrio.
Presumo que este texto não tenha servido de muito, mas a minha intenção é simples: votem com a consciência nas pontas dos dedos.
*Este artigo foi publicado na edição desta sexta-feira do Diário Insular, na rubrica Rua do Palácio.