Presidentes das Comissões Nacional e Diocesana Justiça e Paz comentam mensagem do Papa para o ano novo
O presidente da Comissão Nacional Justiça e Paz (CNJP) afirmou que o Papa Francisco “carateriza as formas de indiferença” na mensagem do Dia Mundial da Paz 2016 que se verificam mesmo quando as pessoas “estão informadas” e o presidente diocesano acrescenta que esta mensagem apela a “cristãos despertos e ativos” cada vez “mais vigilantes”.
“A indiferença sempre se verificou, ao longo da história, mas nesta época da globalização, há uma globalização da informação mas também da indiferença. Nem sempre o facto de termos conhecimento daquilo que se passa no mundo nos leva a estar mais próximos espiritualmente das pessoas”, disse Pedro Vaz Patto, em entrevista à Agência Ecclesia.
Para o Papa há uma “saturação que anestesia” que segundo o presidente da CNJP é uma indiferença que consiste em “querer ignorar as coisas, sobretudo aquilo que se passa longe”.
A mensagem do Papa Francisco para o Dia Mundial da Paz 2016 tem como título ‘Vence a indiferença e conquista a paz’ e foi publicada no dia 15 de dezembro.
Pedro Vaz Patto destaca que o Papa “distingue a indiferença perante Deus, o próximo e a criação”, no início da mensagem.
“A indiferença perante Deus como a primeira, aquela de que derivam as outras, porque nesta o homem considera-se como autor de si próprio, autossuficiente, reconhece apenas direitos”, desenvolve.
Por seu lado, o Presidente da Comissão Diocesana Justiça e Paz alerta os cristãos para a necessidade de deixarem de ser meros espectadores e passarem à ação, olhando para o outro “a maneira do Samaritano”.
Instado pelo Sítio Igreja Açores a comentar a mensagem do Papa Francisco para o Dia Mundial da Paz lembra que os apelos constantes do Papa apontam para a necessidade de um combate à globalização da indiferença que radica “num preocupante adormecimento das pessoas em relação ao que está a acontecer à sua volta”, seja na rua do lado, seja no mundo.
E esta indiferença é tanto maior, diz o responsável, quanto maior for o distanciamento geográfico, cultural ou religioso.
“Somos capazes de nos comover e de nos angustiar com a bomba que rebenta em França, porque é à nossa porta, mas vemos na televisão as mortes provocadas pelo ISIS ou pelo Boko haram, mas porque estão longe não nos preocupamos. Vemos, fazemos zapping, voltamos para o nosso conforto e não nos inquietamos verdadeiramente ao ponto de agirmos”, disse o Pe Júlio Rocha.
“No fundo fazemos um pouco de Cains e não conseguimos ser como o Samaritano que se fez próximo mesmo sendo de outra religião, porque aquele encontro na estrada foi o momento certo para ajudar, para acolher. É isto que nos está a faltar e o papa alerta-nos uma vez mais”.
“Da mesma forma que o Samaritano se tornou próximo mesmo sendo distante, porque o problema estava ali, o necessitado estava ali, também nós devemos tornar-nos próximos e preocuparmo-nos com tudo o que está a nossa volta, seja à porta de casa seja no mundo”.
“O bom samaritano era de outra religião e o que o levou a atuar foi simplesmente o bem do outro. Numa altura destas, o que nos deve preocupar quando alguém vem ter connosco porque tem fome, é dar-lhe de comer e não estar preocupado se ele vai invadir a minha casa, vai comer aquilo que é meu ou vai impor-me outras regras, outros costumes. Ele precisa e eu tenho que estar ali” diz o sacerdote lembrando que “ é a atitude do samaritano e não a atitude de Caim que deve prevalecer”.
Segundo o presidente da CNJP, para além do “diagnóstico da indiferença”, a mensagem vale sobretudo pelo apelo que o Papa faz à “conversão do coração”, onde se “vence a guerra fria”, o “sentir forte o bater do coração” quando está em causa a dignidade humana que é “um reflexo da imagem de Deus nas suas criaturas”.
Neste contexto, o jurista observa que o apelo de Francisco é à conversão, “passar da indiferença à misericórdia”, um pedido no âmbito do Jubileu da Misericórdia, que a Igreja vive até novembro de 2016.
Na mensagem ‘Vence a indiferença e conquista a paz’, o Papa Francisco não “ignora” as guerras e os atentados terroristas de 2015 e também assinala como positivo “os acordos de Paris em relação às alterações climáticas” e a definição de “metas para o desenvolvimento sustentável” na ONU.
“São motivos para ter esperança e são reveladores de que o homem, com a graça de Deus, tem a capacidade para melhorar o mundo à sua volta”, afirma o presidente da CNJP, na entrevista publicada no Semanário digital Ecclesia.
O entrevistado assinala também o “tríplice apelo” às nações mais poderosas, no final da mensagem: “Não arrastarem outros países para guerras ou conflitos; cancelamento da dívida ou gestão sustentável e políticas de cooperação não condicionadas a uma agenda ideológica”.
“O amor preferencial pelos pobres é um amor preferencial pelas nações mais pobres. O Papa deu esse exemplo ao abrir a Porta Santa na República Centro Africana, tornando-a a capital espiritual do mundo”, desenvolveu.
Francisco defende que os media e o mundo da cultura têm “responsabilidade” na educação das novas gerações e na formação da opinião pública.
Pedro Vaz Patto acrescenta que “a comunicação social é o primeiro passo para vencer a indiferença”, onde o direito à informação “não passa por cima de todos os outros direitos”.
“Tem de haver coerência entre aquilo que fazemos no nosso dia-a-dia e o que esperamos dos outros e dos responsáveis políticos”, sublinha o presidente da CNJP.
De resto, sublinha o Pe Júlio Rocha, os Meios de Comunicação Social trouxeram o mundo para dentro das nossas casas, “não podemos continuar a fingir que não vemos, que não sabemos e que não queremos saber”.
“O que o Papa nos pede quando fala em combatermos a indiferença é isto: aproximarmo-nos de todos e pensarmos que os problemas deles são também os nossos; só assim promoveremos a paz”, precisa ainda o sacerdote, lembrando que o Papa convoca à disponibilidade da Igreja para um diálogo inter religiosos, seguindo orientações do Concílio vaticano II.
A mensagem fala em particular de dois documentos – ‘Nostra aetate’ e ‘Gaudium et spes’ – como “expressões emblemáticas da nova relação de diálogo, solidariedade e convivência que a Igreja pretendia introduzir no interior da humanidade”.
“Os cristãos têm de ser capazes de dialogar com outras religiões”, diz, sobretudo numa altura “em que a fé é vista como um caminho de escuridão e não de luz e em que a religião aparece como gérmen da violência”.
“O Papa defende precisamente o contrário: a religião é promotora da paz e este diálogo inicia um novo caminho para ela”, destaca.
O Presidente da Comissão de Justiça e Paz, na diocese de Angra, sublinha a “pertinência” desta afirmação conciliar “até pelo momento que vivemos”.
“Enfrentamos uma vaga de imigrantes, talvez a maior depois da segunda guerra mundial e, ela não deve ser vista como uma ameaça à nossa integridade religiosa”.
O Pe Júlio Rocha sublinha, por outro lado, a importância do apelo que o Papa faz aos jornalistas não apenas como mediadores dos acontecimentos mas também como “agentes com responsabilidade”.
“O papel dos jornalistas é importante mas é preciso que ele seja feito de acordo com critérios de verdade e não apenas por critérios de espetacularidade, para impressionar e vender”.
“O jornalismo também está afetado pela crise da verdade e muitas vezes há a tentação de se mostrar imagens só para se fazer dinheiro e o papa apela a essa responsabilidade dos media, em serem também auxiliadores de uma consciencialização do outro para além do espetáculo”, destaca ainda o sacerdote.
O Presidente da Comissão Diocesana Justiça e Paz deixa, finalmente, uma palavra para os excluídos sobretudo os reclusos a quem o Papa se refere na mensagem.
A Igreja “tem de exigir que os reclusos apesar da pena sejam reabilitados. Não podemos continuar a encarar as prisões como caixotes de lixo da humanidade. Quem pratica um crime é punido mas não pode ser banido da sua dignidade”, refere o sacerdote, apelando a uma “humanização das prisões” para que sejam espaços “de encontro e de reabilitação com vista à reinserção” deixando uma nota clara de que a igreja, tal como Papa refere na sua mensagem, deve lutar sempre contra a pena de morte.