Pelo Pe. Hélder Miranda Alexandre
Não me enganei, é isso mesmo: só pobre ser Natal. O filósofo russo Nickolaj Berdjaev sugere com acuidade, “se tenho fome o problema é material, se são os outros a terem fome, então o problema é espiritual.”
O Natal reveste-se de uma atmosfera de fantasias, sonhos e luzes que encantam a alma e aquecem o coração. Todos nos deixamos embalar por um encanto pueril que nos traz à memória as melhores vivências da criança que habita bem cá dentro. Olhamos para o presépio e admiramo-nos com a beleza da arte idílica. Mas… não existe maior pobreza. Quem quer ver um filho apenas nascido deitado numa manjedoura onde comem os animais, com os odores bafientos de um curral, que não são representados? Que tem isso de belo? Nada a ver com os cuidados competentes de uma maternidade especializada ao mais ínfimo detalhe, onde nascem as nossas crianças. Mas é Deus! A sua maior criação é a Encarnação. O amor maior é assim, surpreendeu todos os projetos messiânicos, escarnece das competências políticas, é simplesmente o mais criativo, porque ninguém podia supor que Deus se fizesse assim. Tão fora da lógica, da filosofia mais refinada!
“Felizes os pobres em espírito porque deles é o Reino dos Céus” (Mt 5, 3). O cristianismo não exalta a pobreza social nem se contenta com a situação instalada, mas é um apelo veemente a que façamos Natal a quem não pode ter o mínimo para festejar. Não se pode considerar feliz a quem falta tudo. Por isso, é pobreza ética, redescobrindo o outro como eu mesmo, sobretudo se o seu rosto é ferido e humilhado. Um apelo à responsabilidade. Mas é sobretudo de pobreza teológica de que se trata, através de um coração que se faz pobre à maneira de Deus, que se faz servo, que lava os pés… “Quem é fraco, sem que eu também o seja?” (2 Cor 11, 29). É um abrir-se, esvaziar-se realmente, fazendo-me à maneira de Maria, que se deixa modelar totalmente por Deus. Assim se constrói o Reino dos Céus, porque só assim cantaram os anjos naquela noite!
Na noite de Páscoa (a outra noite para a qual aponta o Natal), cada família hebraica reúne-se para o seder, o rito da solenidade que comemorava a noite de libertação de Israel da opressão no Egito. Há um momento em que o chefe de família é convidado a abrir a porta de casa, deixando-a entreaberta pelo menos meia hora. A esperança é que o Profeta Elias possa regressar e, por isso, sobre a mesa pascal existe um cálice de vinho com o seu nome. Mas se o Profeta não aparecer, o israelita tem uma esperança maior: e se, surpreendentemente, chegasse o Messias? E se, no entanto, nem Ele viesse? Então, pelas estradas da noite existe sempre um pobre, sem casa e sem mesa: bater à porta fechada na obscuridade é um ato que significaria recusa, como aconteceu com Maria e José. Mas uma porta entreaberta é um convite a entrar. Assim, aquela família acolherá um pobre e com ele festejará.
Então… será Natal, se fores pobre!