Religiosos têm de ser capazes de encontrar o dinamismo, a alegria e entusiamo na sua melhor forma para colherem frutos para o futuro
Tânia Maria da Encarnação, Irmã da Congregação das Irmãs de S. José de Cluny, presentemente em missão no Colégio S. Francisco Xavier como educadora de infância e coordenadora da Creche, é madeirense e a mais nova religiosa em serviço nos Açores
Iniciou o seu percurso de aspirantado em Anadia, a sua formação académica no Porto, bem como a formação de postulantado. Aprofundou a opção vocacional por dois anos no noviciado em Braga tendo professado os primeiros votos no final do 2º ano. A sua primeira missão, como irmã, foi em Alcobaça por 4 anos como educadora e coordenadora de Creche e Pré escolar, bem como outras actividades pastorais. Também esteve em Lisboa outros 4 anos, com as mesmas funções e actualmente em S. Miguel, Açores.
No dia em que arranca o Ano da Vida Consagrada fala na primeira pessoa ao Sítio Igreja Açores
Sítio Igreja Açores- Começa hoje o ano da Vida Consagrada. É sabido que há um défice de vocações, sobretudo no que respeita à vida religiosa consagrada. O que é que afasta os jovens deste caminho?
Irmã Tânia da Encarnação- Vivemos num tempo em que o compromisso, para sempre, não é modelo atractivo nem na vida consagrada, nem mesmo no matrimónio ou outros estados de vida. Os spots publicitários anestesiam-nos com tudo o que é fácil, rápido e económico. De uma forma atractiva e sempre nova são-nos apresentados produtos em que o que mudou foi o involucro do pacote porque o conteúdo é sempre o mesmo. Precisamos de aprender esta arte, não de enganar, mas de sermos criativos, inovadores na forma de apresentar aos jovens o nosso conteúdo, ou seja a nossa forma de viver, o carisma e espiritualidade dos nossos institutos.
Se por um lado os avanços tecnológicos permitiram um maior acesso à informação e conhecimento, por outro lado o excesso faz-nos passar com o dedo à pagina seguinte, sem nos termos espantado ou deslumbrado com a anterior. Quero com isto dizer que parece-me haver pouco conhecimento real da vida religiosa consagrada. Antes de ser irmã na Congregação das irmãs de S. José de Cluny ouvia falar muitas histórias com pontos e virgulas, acrescentados pelas pessoas, sobre uma suposta tragicidade que levou uma jovem a optar pela vida consagrada. A pouco e pouco fui-me apercebendo da importância e necessidade deste convite que nos é feito pelo próprio Jesus “Sede minhas testemunhas”. Testemunhas da alegria do compromisso definitivo, no seguimento de Jesus pobre, casto e obediente. Testemunhas do fascínio e paixão pelo próprio Jesus que se dá TODO. Testemunhas do serviço com amor e do amar servindo. Testemunhas de uma vida simples, uma linguagem próxima e com conteúdo. Testemunhas de um rosto selado pelo amor, pela serenidade e encanto de uma vida exigente, se levada a sério e com total doação.
Sítio Igreja Açores- Porque é que não conseguem explicar isso aos mais novos?
Irmã Tânia da Encarnação- Apesar dos esforços que têm sido feitos talvez ainda nos falte a ousadia da criatividade que passa pelo nosso testemunho de vida simples, atenta às realidades que nos envolvem, metidas nessas mesmas realidades. Ousarmos ser homens e mulheres que partem o frasco de perfume e espalham essa fragância como um dever, pois de graça o recebemos. Como homens e mulheres limitados talvez, às vezes nos falte, coração, naquilo que fazemos, nas relações que temos, na nossa forma de rezar, de preparar encontros, e às vezes no simplesmente estar e escutar alguém. Talvez muito ocupados com o “Projeto do Rei e pouco unidos ao “Rei do Projeto”. Talvez o nosso rosto algumas vezes ande mais carregado de preocupações, manifeste um certo desencanto e desalento. Talvez com o desejo de cativarmos os jovens à vida consagrada estejamos a cair no extremo de recorrermos a todos os novos meios tecnológicos e a cairmos na armadilha de muito fogo de artifício e pouco de substância, de profundidade. Confrontada com esta questão de falta de vocações, como irmã jovem em caminhada, sinto esta responsabilidade de confrontar a minha vida com aquela que é a Vontade de Deus, aqueles que são os seus critérios. Confrontar a maneira como vivo o carisma legado pela nossa fundadora Ana Maria Javouhey, como me empenho na vida de oração pessoal, na vida apostólica, na vida fraterna em comunidade. Quantas vezes ando imensamente ocupada com o projecto do Rei e longe do Rei do Projeto. Apesar de tudo importa não deixar descair os ombros, erguer-se SEMPRE e de novo RECOMEÇAR.
Sítio Igreja Açores- O que é que as Congregações podem fazer para inverter esta tendência?
Irmã Tânia da Encarnação- Parece-me que têm sido dados grandes passos no sentido de inverter esta tendência. As congregações religiosas manifestam-se mais abertas, atentas aos novos sinais do tempo. Os conselhos de congregação e os capítulos provinciais têm sido excelentes oportunidades para as congregações medirem a temperatura da vitalidade dos carismas legados pelos fundadores.
As congregações têm procurado dar a conhecer o espírito que anima a sua congregação através da criação de sites e sua manutenção, blogues e participações nas redes sociais. Têm ido mais para a rua, no sentido de implicação nas comunidades paroquiais e contato direto com o povo. Vão manifestando mais a sua opinião sobre temas da actualidade dando rosto e imagem de homens e mulheres que pensam, que rezam trabalhando e trabalham rezando. Sinto imensa concordância quando me dizem que nós consagrados precisamos de renovar o nosso entusiasmo. Podemos não ter a tecnologia de ponta mas tenhamos o dinamismo, a alegria e entusiamo na sua melhor forma.
Sítio Igreja Açores- Muito deste afastamento prende-se com desconhecimento. As congregações não souberam “abrir-se”?
Irmã Tânia Encarnação- Por um lado sim, parece-me que as estruturas montadas dos institutos mantiveram-se no seu nível, com um tipo de linguagem e relação distante da realidade o que pode ter contribuído para um desconhecimento da vida real das comunidades religiosas, de um certo estigma, nomeadamente, nas congregações femininas. Por outro lado, constata-se, cada vez mais, esta abertura das congregações aos jovens e aos novos tempos, no entanto o medo do compromisso definitivo bloqueia e contribui para o adiar, o marcar passo a esta opção de vida.
Sítio Igreja Açores- No seu caso, como é que foi feita esta opção?
Irmã Tânia da Encarnação- O testemunho de vida partilhada com paixão, entusiasmo e alegria tem uma força contagiante de tal ordem que desperta, no mais íntimo de nós, aquela semente de serviço e doação total ao serviço de Jesus. Foi assim comigo!
É curioso como Deus se serve de todos os acontecimentos, experiências, encontros no nosso dia a dia para, connosco, escrever a história da nossa vocação pessoal. Fruto da educação que recebi na família, desde tenra idade, envolvi-me nas actividades pastorais da Igreja. Fiz o percurso catequético, na altura até ao 9º ano. Era leitora na paróquia, participava no coro e fazia parte do movimento escutista, CNE. Preciosas sementes que contribuíram e muito no sentido de pertença a uma igreja viva e dinâmica, bem como no sentido de responsabilidade aos diversos compromissos. Ajudou-me a ser aberta e sensível aos problemas e dificuldades daqueles que menos tinham e pouco ou nada reconhecidos entre nós. Longe estava eu de pensar que o facto de, simplesmente, escutar colegas da escola que tinham longos desabafos e guardar no coração as suas confidência era Deus a escrever algo de belo e importante para aquele que seria o seu projecto para mim. Longe estava eu de pensar que aqueles gestos de partilha, entrega genuína e sem recompensa, que fui tendo em momentos concretos da minha infância e adolescência, seriam sinal que tocava no sonho de Deus para mim. Até aos 17 anos nunca pensei na possibilidade de ser irmã numa congregação religiosa. Este horizonte rasgou-se fruto do testemunho. Ainda sou do tempo em que jantávamos à noite em família, partilhávamos o nosso dia, rezávamos juntos. Nestas partilhas, à volta da mesa, fascinava-me quando a minha mãe falava com ternura e carinho da doação incansável de duas irmãs de s. José de Cluny, com quem ela trabalhava no serviço hospitalar. O amor com que tudo faziam era fonte de contagio naquele setor e testemunho de vidas verdadeiramente, apaixonadas pela pessoa de Jesus.
Sítio Igreja Açores- Pode dizer-se que a sua mãe foi decisiva nessa opção?
Irmã Tânia da Encarnação– Foi o testemunho partilhado pela minha mãe que despertou o desejo de também eu ser assim: tudo fazer por amor e dar-me sem limites. Fui trocando correspondência com as irmãs e quando comecei a ler a vida da fundadora da Congregação das Irmãs de S. José de Cluny, a partir do livro aos quadradinhos, comovi-me com toda aquela força, coragem, dinamismo e confiança em Deus nas adversidades da vida. Sem conhecer aquelas duas irmãs, o seu modo de vida, falaram-me da audácia e tenacidade de Ana Maria Javouhey. Foi com surpresa e espanto que família e amigos acolheram esta minha opção à vida consagrada. “Grande pancada”, disseram-me alguns colegas, outros pensaram em desgosto amoroso e outros ainda como sendo um desperdício de opção, pois não dava lucro, não havia subida de carreira e impossibilitava o gerar, biologicamente, filhos. O apoio incondicional da mãe, dos manos e mais tarde do meu pai foi confirmação de que “Deus dá as suas luzes gota a gota”.
Sítio Igreja Açores- O que é que a atriu na ideia de ser freira?
Irmã Tânia da Encarnação– Como será isso de ser “freira”? Que fazem elas no seu dia a dia? Eu sempre disse que gostaria de ter a minha família, ter filhos. Será possível que o Senhor me chama a outro caminho? Foram muitas as interrogações e constantes silêncios, que fui tendo antes de deixar a minha querida terra natal; Madeira. Ficava algumas horas junto ao mar observando o vai e vem de embarcações de pesca, cruzeiros, barcos de mercadoria, entre tantos outros. Uns que se sumiam na linha do horizonte, outros que regressavam após um simples passeio e novamente atracavam no cais. Verdadeiramente eu queria ser daqueles que ousavam rasgar o mar e perder-se na linha do horizonte. Este era o Sonho de Deus, o Seu projecto de amor, de felicidade para mim que abracei com confiança. Hoje sou o que sou porque tive a graça de um berço familiar que me apontou caminhos de valores sólidos. Uma família que apesar de manifestar alguma divergência quanto à minha opção de vida não se opôs a que seguisse este caminho, porque o que mais desejavam é que fosse feliz.
Sítio Igreja Açores- Certamente foi um caminho com altos e baixos… mais dúvidas do que certezas. No final que balanço pode partilhar connosco?
Irmã Tânia da Encarnação- Quando parti da minha terra rumo à descoberta do que Deus queria de mim levava na mala muitos sonhos, dúvidas, medos e projectos típicos de um jovem que se põe a caminho.
Sim! Um percurso com altos e baixos mas fortemente marcado pela alegria do encontro. O encontro com pessoas concretas, rostos e vidas que me falaram da docilidade e paciência de Deus. Um percurso marcado por acontecimentos e experiências únicas que não ficaram apenas na emoção ou na sensação forte do momento. Vivências que me ajudaram a levar a vida mais a sério, com compromisso e entrega definitiva Àquele que tudo pode. Quando andamos indefinidos é muito difícil avançar para o alto mar… Como é importante termos alguém que suscite em nós um grande terramoto e faça cair tudo por terra…Para quê? Para despertar a vida que habita no melhor de nós mesmos. Despertar a ousadia de atitudes de generosidade, de coragem e gratuidade.
Como me sinto feliz pelo ontem que foi, pelo hoje que vivo e pelo amanhã que a Deus pertence
Sítio Igreja Açores- Como é o dia a dia de uma religiosa, de uma forma genérica, mas em particular de uma irmã de São José de cluny?
Irmã Tânia da Encarnação- O dia a dia de uma Irmã de S. José de Cluny é marcado por momentos de oração em comum, e em particular que revitalizam o nosso entusiasmo e dedicação à missão específica de cada comunidade. Aqui no Colégio S. Francisco Xavier dedicamo-nos à educação e actividades na paróquia, e ainda a momentos próprios da vida fraterna em comunidade. Para mais e melhor conhecer e saber quem somos, o que realmente fazemos, porque não passar uma manhã, um dia connosco? Porque não aproveitar um fim de semana, uns diazinhos das férias e conhecer a nossa missão em Portugal Continental e não só. Porque não? Como nos diz Jesus “Vinde e Vede”
Sítio Igreja Açores- Faz parte da equipa das religiosas que participa nas ações de sensibilização nas catequeses e nas escolas. Como tem sido a recetividade dos mais jovens?
Irmã Tânia da Encarnação- Este trabalho missionário junto dos mais jovens tem sido muito bonito e desafiante. Contamos com diferentes idades, desde a 1ª infância, adolescência e o grupo de jovens em preparação para o sacramento do crisma. Os mais pequeninos têm sido de uma recetividade excecional. Vibram com uma simplicidade própria do ser criança: os olhos esbugalhados a tudo quanto comunicamos com palavras, gestos, músicas e montagens áudio visuais. É uma experiência de uma candura indizível.
O encontro com os jovens adolescentes também tem sido verdadeiramente excepcional. Notamos que ficam surpresos ao confrontarem-se com irmãs mais novas que dão testemunho da sua fé, da sua opção de vida. Manifestam curiosidade no sentido de perceberem, no concreto, o que nos leva a deixar família, amigos, constituir a nossa própria família, casa, e tudo o mais para simplesmente ser freira, nada mais que isto: ser! Ser freira!!! Perante as inúmeras solicitações que nos chegam de todo o lado, e cada uma mais atraente e sedutora que outra, porquê ser irmã? Aprecio e muito as suas questões, dúvidas e até medos que se escondem na forma tímida como às vezes manifestam o seu pensar.
Aproveito para agradecer aos párocos que nos têm acolhido nas suas comunidades, a disponibilidade e recetividade a esta iniciativa promovida pela CIRP. Agradecer aos catequistas e professores das escolas que acompanham os diferentes grupos a motivação e adesão a estas iniciativas.
Sítio Igreja Açores- Que mensagem lhes transmitem?
Irmã Tânia da Encarnação- Simbolicamente falando levamos chaves para que cada um confrontado com a temática da vocação vá descobrindo a chave que Deus lhe pede para abrir a porta do seu coração a um Projeto Novo. Falamos da vocação como um chamamento de Deus que toma a iniciativa e chama pelo nome de cada um de nós, que dá uma missão concreta e a cada um capacita para essa mesma missão. Pede-nos exactamente que tenhamos a atitude de responder a este seu apelo à vida. Como filhos queridos, amados e perdoados por Deus recebemos a graça de realizar o Seu sonho: Sermos felizes!!! Importa descobrir o caminho? Para onde? No matrimónio? Na vida Religiosa? Na vocação sacerdotal? Na vida laical?
A maior alegria será um dia cada um de nós, neste acertar passo, poder louvar o Senhor pela descoberta da sua vocação.
Sítio Igreja Açores- Neste ano de Vida Consagrada, que mensagem deixa aos mais jovens?
Irmã Tânia da Encarnação- Na correspondência que trocava com aquelas duas irmãs recebi uma carta, uma preciosa carta, que estremeceu, completamente, comigo e levou-me à decisão de responder ao apelo que sentia. E se o Senhor estiver a bater à porta do teu coração. O que fazes? Tapas os ouvidos e ignoras o seu toque? Espreitas pela fechadura e finges não estar em casa? Ou ousas abrir a porta e O convidas a entrar? Convidas somente a sentar-se na sala de estar, ou vais mais longe e apresentas os compartimentos da tua casa? Mostras o teu quarto, o sótão e os entulhos que lá se encontram, levas até à cave com todas as teias de aranha e pó acumulado? Ousas entregar a chave da tua casa e consentir que Ele derrube muros e alargue o espaço da tua casa?
Neste ano da Vida Consagrada que o Espírito Santo suscite no coração dos jovens esta generosidade de confiar a chave da sua casa a Jesus. Como nos convidava o Santo João Paulo II, em Roma, na vigília das Jornadas Mundias da Juventude, Jovens não tenhais medo de ser santos (…) não tenhais medo de seguir Jesus Cristo.