Cerca de 40 mil ficheiros da série documental ‘Ebrei’ (Judeus), relativos ao pontificado de Pio XII e à correspondência dos serviços do Vaticano com judeus perseguidos pelo regime nazi, estão disponíveis para consulta universal por decisão do Papa Francisco.
Num comunicado da Sala de Imprensa da Santa Sé, divulgado esta quinta-feira, indica-se que série de documentos do Arquivo Histórico da Secretaria de Estado – Seção de Relações com Estados e Organismos Internacionais (ASRS) agora de acesso público através da internet tem como tema ‘Ebrei’, onde se guardam “os pedidos de ajuda dos judeus de toda a Europa” que foram recebidos pelo Papa durante as perseguições pelo regime nazi durante a II Guerra Mundial.
O comunicado informa que ao todo são 170 volumes, equivalente a cerca de 40 mil arquivos digitais, e pode ser consultado inicialmente 70% deste material, estando os últimos volumes aindaa ser digitalizados.
Num artigo publicado no portal de informação do Vaticano e no jornal L’Osservatore Romano, o arcebispo Paul Gallagher, secretário para as Relações com os Estados, afirma que os pedidos chegavam à Secretaria de Estado e os canais diplomáticos “eram ativados para tentar fornecer toda ajuda possível, tendo em conta a complexidade da situação política em escala mundial”.
“Os pedidos eram de vistos ou passaportes para expatriação, refúgio, reunificação com um membro da família, libertação da detenção, transferência de um campo de concentração para outro, notícias sobre uma pessoa deportada, fornecimento de alimentos ou roupas, apoio financeiro, apoio espiritual e muito mais”, exemplifica o responsável do Vaticano.
O secretário para as Relações com os Estados começa por apresentar o exemplo do pedido de ajuda de um estudante universitário de 23 anos, um alemão “de origem israelita” batizado em 1938 que, a 17 de janeiro de 1942, apresentou o seu último recurso para ser libertado do campo de concentração de Miranda de Ebro, na Espanha, e para se juntar à sua mãe, que tinha fugido para os Estados Unidos, em 1939: “Sim, hoje escrevo à senhora, é para implorar que me ajude de longe”.
“Estava tudo pronto para que ele partisse de Lisboa, e faltava somente a intervenção de ‘uma pessoa de fora’ para que as autoridades concordassem com a sua libertação; Escreve a uma velha amiga italiana, implorando-lhe que recorra ao Papa Pio XII para que o núncio apostólico em Madrid intervenha a seu favor, sabendo que ‘outras pessoas puderam deixar o campo de concentração com a intervenção de Roma’, explica D. Paul Gallagher.
“Dois documentos mais tarde, descobre-se que a Secretaria de Estado se ocupou do caso, contactando ‘novamente’ o Núncio em Madrid. Depois, a documentação se interrompeu e se desconhece o epílogo não só para o destino deste jovem estudante alemão, mas para a maioria dos pedidos de ajuda testemunhados em outros documentos. De modo inevitável ficamos com a esperança de que Werner Barasch tivesse conseguido sua liberdade para se encontrar com sua mãe no exterior”, acrescenta.
D. Paul Gallagher acrescenta no seu artigo que, apesar dos documentos do Arquivo do Vaticano não confirmarem a libertação de Werner, pesquisas na internet mostram notícias de 2001 referentes “não só uma autobiografia narrando suas memórias como ‘sobrevivente’, mas entre as coleções on-line do Museu Memorial do Holocausto dos Estados Unidos há até mesmo uma longa entrevista em vídeo, na qual o próprio Werner Barasch conta sua incrível história aos 82 anos de idade”
“Ficamos assim a saber que foi libertado do campo de concentração de Miranda no ano seguinte à sua carta com o apelo ao Papa, e em 1945 pôde finalmente se juntar à sua mãe e irmã nos EUA. Lá ele continuou seus estudos na Universidade de Berkeley, no MIT e na Universidade do Colorado, e depois trabalhou como químico na Califórnia”, conclui.
Os arquivos, referente ao pontificado de Pio XII, que foram abertos aos investigadores no dia 2 de março de 2020 e podiam ser consultados na Sala de Leitura do Arquivo Histórico, estão disponíveis online.
No início deste ano, o historiador alemão Michael Feldkamp, que tem investigado os Arquivos do Vaticano sobre o pontificado de Pio XII (1939-1958), afirmou que o Papa salvou pessoalmente “pelo menos 15 mil judeus” e tentou alertar para o Holocausto.
(Com Ecclesia e Vatican News)