Seremos capazes de controlar as rédeas do nosso destino?

Por Carmo Rodeia

Estamos nas vésperas de mais uma cimeira europeia, que como sempre, sobretudo de cada vez que há um sobressalto, é vista como decisiva para o destino final da Europa, que é como quem diz o nosso destino final.

Os dias têm sido surpreendentes e abundantes em factos improváveis: em Espanha estamos a caminho de uma espécie de `geringonça de imitação´ (que é sempre pior que uma geringonça original) com uma aliança tática entre os socialistas e os independentistas bascos; na Eslovénia venceu um partido nacionalista liderado por um homem que há menos de um ano foi condenado por corrupção e que tem no seu cartão de visita um discurso anti emigração; em Itália chegou ao poder uma outra `geringonça´ainda mais complicada com uma junção de interesses que ideologicamente falando estão tão próximos como o azeite está da água, isto é, convivem mas não se misturam a não ser para fazer mossa. Todos têm em comum um nacionalismo exacerbado, um certo euroceticismo e uma enorme sede de poder.

Perante as várias ameaças internas, é tempo de deitarmos contas à vida e percebermos que Europa queremos e que Europa podemos ter.

Não tenho muitas duvidas de que o segredo está na união e os europeus têm de ser capazes de estar unidos, tomando as rédeas do seu (nosso) destino.

Se queremos construir a Europa temos de ser nós a construí-la. Não podemos contar com a iniciativa, a liderança, a benevolência, a condescendência dos aliados, amigos ou vizinhos na Europa. Quaisquer que eles sejam. Até porque do leste os ventos são de aparente bonança mas pouco confiáveis. E do outro lado do Atlântico, os sinais que chegam são em tudo idênticos a esta deriva populista que grassa pelo velho continente.

Terão, por isso, razão os analistas que vêm nesta cimeira uma oportunidade derradeira para prosseguir em frente ou começar a desmobilizar, ou numa espécie de terceira via, repensar a Europa.

No final do ano passado a Comissão das Conferências Episcopais da União Europeia, em colaboração com a Santa Sé, organizou um Seminário intitulado “Repensar a Europa”, que foi encerrado pelo Papa Francisco e ao qual a Comunicação Social deu pouco relevo. Na altura o que se discutiu foi que caminho ou caminhos se podem equacionar para a Europa tendo sempre presente o princípio inalienável da dignidade e centralidade da pessoa e da prossecução do bem-comum.

“Falar do contributo cristão para o futuro da Europa leva a interrogarmo-nos, antes de tudo, sobre as nossas responsabilidades como cristãos hoje” afirmava o Santo Padre interpelando: “Qual é a nossa responsabilidade num tempo em que o rosto da Europa é cada vez mais marcado por uma pluralidade de culturas e de religiões, enquanto que, para muitos, o cristianismo é visto como algo do passado, longínquo e estranho?” .

“O primeiro e talvez maior contributo que os cristãos podem trazer à Europa de hoje é recordar que esta não é um conjunto de números ou instituições, mas que é feita de pessoas concretas. Infelizmente, constatamos frequentemente que o debate se limita a uma discussão de números. Não há cidadãos, há votos. Não há migrantes, há quotas. Não há trabalhadores, há indicadores económicos. Não há pobres, há limiares de pobreza. A pessoa humana é, deste modo, reduzida a um princípio abstrato, mais cómodo e tranquilizador” acrescentava à sua própria interpelação.

“Reconhecer que o outro é, acima de tudo, uma pessoa, significa valorizar o que me une a ele. Por isso, um contributo que os cristãos podem trazer para o futuro da Europa é a redescoberta do sentimento de pertença a uma verdadeira comunidade”, acrescentava.

“A pessoa e a comunidade são, pois, os pilares da Europa que, como cristãos, queremos e podemos ajudar a construir. Os tijolos de tal edifício chamam-se: diálogo, inclusão, solidariedade, desenvolvimento e paz”.

Mas para isso, é preciso que se ultrapasse uma espécie de défice de memória, pois uma Europa que se reencontre enquanto comunidade será seguramente uma fonte de desenvolvimento para si e para o mundo.

Será que os líderes europeus estão disponíveis para ouvir e comprometerem-se com estas palavras? A prática não nos tranquiliza…

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