Sena Freitas: Um açoriano exilado

Seria interessante correr as ruas e praças da ilha, de norte a sul, e perguntar: ”sabe quem é Sena Freitas?”

Estou a ver a cara das pessoas, parecida com aquelas caras que vão aos concursos de cultura geral ligeira na televisão, a dizerem “não me lembro” ou “é uma estátua de um jardim de Ponta Delgada”. Talvez os mais antigos arriscassem a dizer: ”um antigo colégio tinha esse nome”.

E os nossos estudantes que já ensaiam umas questões de literatura e sabem quem é Camilo, ou Eça, ou Antero, que sabem de Sena Freitas? Desde já informo que foi considerado o Lacordaire português ou o P. António Vieira do século XIX. Foi esquecido, programadamente esquecido pela Primeira República e mesmo por escritores e políticos do final do século. Os jacobinos não podem com ele… (os de ontem e os de hoje). Homem duro, corajoso, polémico, peregrino do mundo, nascido em S. Miguel, estudante em Santarém, missionário no Brasil, cónego da Sé de Lisboa, exilado…

Falo dele porque revejo um livro muito interessante que parece ter um título velho e, sei lá, desprovido de sentido: ”A Alta Educação do Padre”. Parece uma temática irónica ou apenas evocativa de um homem e um escritor que se não quer perder. É muito mais: um texto desconcertante de atualidade e oportunidade. Sena Freitas depois de dar muitas voltas pelo mundo decide publicar em Portugal um texto de Mons. John Spalding, bispo de Peoria, nos Estados Unidos. Acontece que Sena Freitas achou tão interessante a obra que traduziu, e apresentou um prefácio de tal forma que o seu escrito como que superou de longe o do bispo. E assim, em 1909, surge um texto sobre a figura do padre, que parece brotar do Concílio Vaticano II do século XX. O prefácio do livro é de D. Manuel Clemente, historiador e então bispo Auxiliar de Lisboa. O texto de Sena Freitas é de um português primoroso e de um arrojo estonteante para a época. Dá à figura do padre um sentido de dignidade, humanidade, delicadeza interior e empenho pastoral, que poderia inspirar a orientação de qualquer seminário dos nossos dias.

Estamos perante um açoriano ilustre, nascido em Ponta Delgada, em Julho de 1840. A Alta Educação do Padre é um “eloquente testamento pedagógico…escrito nas vésperas da Revolução Republicana e do consequente exílio do autor no Brasil”. Como diz D. Manuel Clemente “é um livro em prol dum clero à sua maneira mais instruído e interveniente na sociedade e na cultura”.

Ninguém (particularmente dos Açores) tem direito a desconhecer este homem, este padre… e este livro, reeditado pela Roma Editora.

Por isso o lembro gostosamente.

 

P. António Rego

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