Por Carmo Rodeia
Esta quinta feira o Papa Francisco, no final da visita à Suécia, afirmou que o mundo tem “sede de misericórdia”. Um ano depois de ter proclamado o Jubileu da Misericórdia, com uma proposta de programa exigente, o Papa volta a lembrar que o tema da misericórdia “exige ser reproposto com novo entusiasmo e uma ação pastoral renovada”.
Há um ano Francisco sugeriu um programa de vida para os cristãos desafiando-os a aprenderem a amar e a perdoar como Deus ama e perdoa, como se esse fosse o único sinal concreto e visível de que a fé transformou os nossos corações e nos permite exprimir em nós a própria vida de Deus.
Francisco procurava mobilizar, antes de tudo, a Igreja fazendo-a regressar ao essencial do espirito evangélico lembrando mesmo, a dado passo, que a “credibilidade da igreja passa pela estrada do amor misericordioso e compassivo”.
Houve nas afirmações do Papa Francisco um apelo a cada um de nós para que nos tornássemos numa verdadeira porta santa, capazes de encarnar o rosto da misericórdia, muito para além de uma mera emoção perante o sofrimento alheio. Não há dúvida de que a misericórdia vai um pouco mais além disso e tal como a caridade, outra marca de um cristão, precisa de ser exercitada em função do outro e da sua necessidade.
Jesus não veio ao mundo para nos julgar mas sim para nos salvar e “A Salvação não se paga, não se compra, a porta é Jesus e Jesus é grátis”. Tal como a caridade não é uma vaga e eventual manifestação de piedade mas um radical e preciso sentido do outro, também a misericórdia é a forma de participarmos no projecto de Deus, dando-nos ao mais próximo. Por isso, a misericórdia não pode ser uma palavra abstracta, vivida apenas num ano para obtermos uma indulgência.
“Jesus de Nazaré com a Sua palavra, com os seus gestos e com toda a Sua pessoa revela a misericórdia de Deus. N’Ele não há nada em que falte compaixão”, refere o Papa na Bula Misericordiae Vultus. E acrescenta: “a Sua Pessoa não é outra coisa senão Amor, um amor que se doa e oferece gratuitamente. Os sinais que realiza, sobretudo para com os pecadores, para com as pessoas pobres, excluídas, doentes e em sofrimento, levam consigo o distintivo da misericórdia”.
Dele nunca escutamos palavras de desprezo ou palavras de condenação; apenas palavras de amor, que convidam à conversão.
Este fim de semana, na vigília de oração pelas vocações celebrada na Fonte Bastardo, na ilha Terceira, no âmbito da Semana dos Seminários, o Pe Pedro Lima lembrou a parábola do homem rico que tinha tudo para ser feliz mas faltava-lhe o essencial: o sentido da vida. E dizia o jovem sacerdote faialense que o grande desafio que Ele nos coloca, com essa parábola, é a de sermos capazes de decidir segui-Lo, com toda a radicalidade e imitando-O com toda a disponibilidade.
Para isso temos de nos escancarar a Ele e procurarmos ser como Ele, que é como quem diz, libertar o nosso coração do rancor, da raiva, da violência e da vingança, condições necessárias para vivermos felizes. Na nossa vida facilmente substituímos o perdão pelo julgamento, esquecendo-nos que o perdão é o instrumento para alcançar a serenidade do coração. Como o papa refere na bula “é uma força que ressuscita para uma vida nova e infunde a valentia para olhar o futuro com esperança”.
Se calhar, no próximo domingo, quando se fecharem as portas santas, das várias igrejas catedrais, deveríamos permanecer com a porta do nosso coração aberta, num verdadeiro sinal de misericórdia. Quem sabe assim poderíamos matar a sede e a fome, a nossa e a dos outros porque tal como no amor, também se não aprendermos a ser misericordiosos connosco dificilmente o seremos com os outros. Não é um caminho fácil, mas não é impossível. No final deste ano santo poderemos recomeçar…outra vez.