Santo Cristo e Espírito Santo são “dois pólos” da religiosidade açoriana

Colóquio sobre a religiosidade popular do povo açoriano marca agenda da Igreja durante três dias

Os açorianos nem sempre viveram a sua religiosidade da mesma maneira e ao longo dos séculos foram-no demonstrando através das suas manifestações religiosas balizadas em grande parte por um lado pela devoção ao Senhor Santo Cristo e por outro lado ao Divino Espírito Santo.

A temática começou a ser abordada no colóquio “O culto ao Santo Cristo e ao Espírito Santo no povo açoriano” que arrancou esta terça feira no Centro Pastoral Pio XII , no âmbito das celebrações do 60º aniversário da elevação do Santuário diocesano do Senhor Santo Cristo dos Milagres, em Ponta Delgada.

O colóquio, resultante de uma colaboração entre o Santuário do Senhor Santo Cristo, a Câmara Municipal de Ponta Delgada, o Centro de História de Além-Mar (CHAM – Açores) e o Instituto Católico de Cultura, está a analisar estes dois “pólos de fé” do povo açoriano, referiu na abertura o reitor do Santuário do Senhor Santo Cristo, Cónego Adriano Borges.
Na conferência inaugural proferida pela professora Susana Goulart Costa, atual diretora regional da Cultura, intitulada “Que fé é esta? Cinco séculos de devoção; cinco séculos de reflexão” foi percorrido o caminho “devocional açoriano”, com particular destaque para o caso de São Miguel.

A investigadora lembrou que no caso do Santo Cristo além da devoção, expressa na festa anual, nomeadamente através dos cortejos processionais solenes, que se realizam anualmente, há uma relação com o sagrado que é diária, e que se revela na visita dos fieis ao espaço do Santuário, onde procuram um diálogo com “o sagrado” para além da festa. Já no caso do Divino Espírito Santo, a investigadora percorreu esta devoção que atravessa todo o arquipélago sem precisar datas concretas mas sublinhando as várias fases desta devoção, desde os primórdios, que remontam ao tempo do povoamento, passando pelo Século XVII em que se dá a criação dos bodos e depois, dois séculos mais tarde, das filarmónicas e. já no ´seculo XX outras marcas importadas de zonas para onde os açorianos levaram esta tradição.

“Não devemos ter medo das inovações pois isso significa que o culto está vivo e não preso apenas ao passado” referiu a investigadora Susana Goulart Costa.

“Qualquer um destes cultos está muito vivo nos Açores” esclareceu ainda.

Hoje, dia 10 de Julho, também no Centro Pastoral Pio XII, o colóquio prosseguiu com o primeiro painel moderado pelo padre Hélio Soares, cabendo ao padre Jorge Ferreira, do Instituto Litúrgico Sant’Anselmo, fazer “algumas considerações para melhor compreender a piedade popular açoriana”. Nesta comunicação o vice-reitor do Pontifício Colégio Português em Roma, natural do Nordeste, entende que “é pela acção do Espírito Santo que nasce o diálogo orante. Não se pode pensar a Liturgia e a piedade popular sem a sua respectiva concretização na vida quotidiana. A sua manifestação passa pelo celebrar de acordo com usos e costumes de cada Região, dando um carácter particular e diverso enriquecendo assim a Igreja Católica”.

Seguiu-se a comunicação do investigador Duarte Nuno Chaves que falou sobre “conventos franciscanos nos Açores do século XXI: memórias da província de São João Evangelista”. Durante a intervenção, o investigador do Centro de História de Além Mar percorreu os primeiros 370 anos de permanência da Ordem de São Francisco nas ilhas dos Açores, “particularizando não só o património construído, mas também os aspectos da sua influência nos processos de evangelização das populações insulares”.

Já Margarida Lalanda, investigadora da Universidade dos Açores e do CHAM, abordou a história de “Madre Teresa da Anunciada, a impulsionadora do culto ao Senhor Santo Cristo”. Nesta comunicação, a investigadora pretendeu, em primeiro lugar, destacar as características da espiritualidade de Madre Teresa da Anunciada e as do seu relacionamento com Deus, com a sua comunidade e com o além-muros do Convento. A professora da Universidade dos Açores abordou ainda “as condições e as vias de transmissão, e adoção pelos leigos do culto iniciado e desenvolvido pela Madre Teresa ao Senhor Santo Cristo por via da imagem entretanto tornada muito conhecida e hoje indissociável do nome desta religiosa”.

Ainda durante a manhã teve lugar o segundo painel, com a intervenção de António Camões Gouveia, investigador do Centro de Estudos e História Religiosa e do CHAM, que abordou o tema “a paisagem do santuário: culto, práticas de devoção e de festa”, aflorando duas dimensões: primeiro, os “limites do conceito piedade popular”, a partir da devoção e prática religiosa ; segundo a partir do espaço do santuário, “enquanto edificado e imaginária, liturgia e procissão, adro e terreiro”.

No segundo painel o Pe. Hélio Soares, cuja produção científica incide na história do Mosteiro de Nossa Senhora da Esperança de Ponta Delgada, falou sobre “uma proposta museal: a colecção visitável do Santuário do Senhor Santo Cristo dos Milagres” onde apresentou uma proposta museológica para alguns espaços deste imóvel “procurando colocar o património em diálogo com a comunidade através da proposta museal”.

Na parte da tarde, deste segundo dia de colóquio, Artur Goulart falou sobre “os santuários hoje: visitas, circulação e interpretação do património”. O coordenador do Inventário do Património Artístico Móvel da Arquidiocese de Évora lembrou que “sem nunca perderem a sua função de local privilegiado de devoção dos fiéis, os santuários, seguindo as exortações pontifícias, devem ser pólos especiais de evangelização para todos, crentes ou não”.

“Numa maior integração na comunidade e aproveitando o próprio património material e imaterial, deverão ser capazes de provocar ou reforçar em cada visitante a descoberta ou transformação ou evolução da vida cristã”, afirmou o investigador.
O segundo dia do colóquio terminou com a intervenção de D. Carlos Azevedo sobre “a imagem do Santo Cristo, no contexto da iconografia do Ecce Homo dos séculos XV a XVIII”.

O delegado do Conselho Pontifício para a Cultura sublinhou a identidade e filiação da imagem do Santo Cristo do Convento da Esperança; ressalvou a importância do património artístico da Igreja como meio de evangelização, e destacou as dimensões missionárias da devoção ao Senhor Santo Cristo e ao Espírito Santo.

Esta quinta-feira,  o Centro Pastoral Pio XII abre novamente portas para um novo painel sobre “festas do Senhor Santo Cristo: comunicação e receção”, da responsabilidade do padre José Paulo Machado, diretor do semanário A Crença. José Paulo Machado vai percorrer o impacto da dimensão mediática nas festividades, não descurando a herança discursiva tradicional que perdura até hoje. O papel dos novos media será também abordado enquanto possibilidade de atualização das formas culturais que moldam as maiores festividades religiosas do arquipélago”.

Segue-se “a vivência da piedade popular nas comunidades açorianas da diáspora”, da responsabilidade de José Andrade, chefe de gabinete do Presidente da Câmara Municipal de Ponta Delgada. Abordando o culto do Senhor Santo Cristo dos Milagres que chegou a São Miguel há três séculos e foi partindo “no coração dos açorianos”, a comunicação abordará também a devoção identitária do Divino Espírito Santo que remonta ao povoamento das ilhas e se expande por todas as freguesias açorianas e países onde há comunidades açorianas.
No quinto painel usará da palavra o vigário-geral da diocese, Cónego Hélder Fonseca Mendes que falará sobre “o culto ao Santo Cristo e ao Espírito Santo: desafio e contributo para a conversão pessoal e pastoral”.

O colóquio terminará com uma conferência do bispo D. Carlos Azevedo na igreja Matriz de São Sebastião, em Ponta Delgada, que inaugura ao mesmo tempo a 16ª edição das Grandes Festas do Divino Espírito Santo de Ponta Delgada.

O colóquio termina com o concerto na Igreja Matriz sobre “a universalidade do culto ao Divino Espírito Santo”, da responsabilidade do coro Vox Cordis.

 

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