Este ano a festa religiosa, que começou no dia 28, com a novena e termina este domingo depois da procissão pelas ruas da Caldeira, contou com o regresso do torneio de Volei, que animou a Praça durante este fim-de-semana
Não há jorgense devoto que hoje e amanhã deixe de rumar à Caldeira da Fajã do Santo Cristo, onde este fim-de-semana se realizam as mais importantes festas de São Jorge, em honra do Senhor Santo Cristo da Caldeira.
“Pelo menos pela festa reunimo-nos; tenho muita fé e trago sempre um animal para arrematação. Só uma doença muito grave é que me afasta deste local” referiu ao Igreja Açores Carlos Nunes, natural de São Jorge e devoto do Senhor Santo Cristo.
“Julgo que 90% dos jorgenses vem pelo menos um dia a esta festa” refere em declarações ao Padre Dinis Silveira que em colaboração para o Sítio Igreja Açores recolheu uma série de testemunhos de jovens e menos jovens que nunca perdem a oportunidade de regressar ao Santuário nesta altura do ano. É o caso de Maria Alves, descendente de naturais da Caldeira e que participa nestas festas desde que se conhece: “são muito importantes, fazem parte da minha vida desde que me conheço”.
” Foi sempre um ponto de encontro da família e também o encontro com as pessoas que cá vivem, a quem estamos tão ligados. O Senhor Santo Cristo é sempre um amigo presente, estando longe ou estando perto e por isso temos de vir aqui, cumprimentá-lo”, acrescenta lembrando que é aqui que consegue “renovar a esperança”.
Esta festa, que se realiza sempre no primeiro domingo de setembro chama jorgenses e não só pois é a última grande festa de verão das ilhas do triângulo.
“Lembro-me de gente descalça a atravessar a serra do Topo para aqui vir” refere António Baltazar de Azevedo, natural da Caldeira.
“É uma festa que me diz muito, vem gente de toda a ilha.. Antigamente havia muito fogo e cantigas ao desafio e ainda hoje não há dia no ano, de verão ou de inverno, que não chegue gente aqui a fazer promessas” refere este homem que é um contador de histórias e poeta popular, que pede a intercessão do Senhor Jesus na proteção dos jorgenses e de todos os açorianos.
Laura Nunes, natural de São Jorge e emigrada na Califórnia, há mais de trinta anos, diz que “é a fé que a move” e também a “saudade”.
“Esta é uma festa da saudade em que a gente recorda também a nossa infância”, diz a emigrante.
Maria Silva, estudante do terceiro de Medicina, natural da Calheta recorda que desde pequena vem a esta festa: “são momentos muitos importantes para renovar a fé, quer do ponto de vista individual quer do ponto de vista comunitário pois estamos aqui todos unidos em torno do mesmo Senhor”.
A festa começou a 28 de agosto, com a novena- terço e missa- e termina amanhã, domingo, com a procissão. Antes haverá duas missas- às 9h00 e 11h00- com o tradicional sermão da praça. A liturgia seguida é sempre a do dia, mas neste fim-de-semana tudo tem “um sabor especial”.
Paula Ramos, da Ribeira Seca, não dispensa a participação na festa.
“A procissão das velas, que aconteceu na quinta-feira é um lavar de alma. Este companheirismo faz parte da minha história de vida e faz parte da alma jorgense. A festa, o silêncio aqui têm outro significado” adianta ainda ao Sítio Igreja Açores.
David Alves, emigrante em França há 52 anos, diz que teve como primeiro patrão o Santo Cristo da Caldeira.
“Fui sacristão aos meus dez anos de idades e prossegui fazendo este serviço até ir para a tropa em São Miguel.Tenho muita devoção e respeito pelo Senhor Santo Cristo; não posso deixar de aqui vir sempre. Estou muito contente”, referiu.
A presença de sacerdotes é talvez a grande diferença, pois vêm menos do que era costume. É pelo menos a impressão de Fátima Nunes, que com a família é uma espécie de guardião do santuário e da Imagem pois é das poucas pessoas que vive anualmente na Caldeira da Fajã do santo Cristo.
“Antes vinham muitos padres; agora vêem menos… talvez essa seja a maior diferença mas, de resto, é tudo mais ou menos igual”.
Para a juventude, além da festa religiosa há um programa profanos, com muita animação musical. Este ano foi retomado o tradicional torneio de Vólei, com a ajuda da Cãmara da Calheta, que já não se realizava há mais de duas décadas.
Ricardo Paiva, organizador do torneio de Vólei na Caldeira, sublinha a importância deste evento para os mais novos. Iara Bettencourt é uma das jovens participantes e assegura que este torneio veio dar “uma outra vida à festa”.
Este domingo além da parte religiosa há ainda as tradicionais arrematações das ofertas feitas em promessa ao Senhor santo Cristo da Caldeira.
A lenda que deu origem ao culto conta que um pastor deixou o seu gado a pastar, descendo a uma lagoa onde apanhou lapas e ameijôas. Ao parar para descansar contemplou um objeto na água a flutuar e viu que era uma imagem em madeira do Senhor Santo Cristo. Surpreendido com o achado, pegou na imagem, molhada e inchada de estar na água, e levou-a para terra seca. Ao fim do dia, quando voltou para casa fora da fajã, levou a imagem e colocou-a em local de destaque numa das melhores salas da sua casa. No outro dia de manhã a imagem tinha desaparecido. Depois de procurarem por toda a casa e de já terem dado as buscas por terminadas, ele foi de novo encontrado, dias depois, na mesma fajã e local onde tinha sido encontrado da primeira vez. Foi levado várias vezes para o povoado fora da rocha, e durante a noite a imagem voltava sempre a desaparecer, até que alguém disse: “O Santo Cristo quer estar lá em baixo na fajã à beira da caldeira, pois que assim seja”.
A Lenda da Caldeira de Santo Cristo é uma tradição da ilha de São Jorge e relaciona-se com as crenças populares numa terra onde a luta do homem com a natureza foi constante e onde, por séculos, as necessidades básicas do dia-a-dia foram prementes.
(Com o padre Dinis Silveira)