Sacerdotes apontam formalismo da liturgia da igreja como factor de distanciamento das festas do Espírito Santo

Pastoral da cultura promove encontros de estudo sobre esta manifestação de religiosidade popular no arquipélago dos Açores

Se o Espírito Santo não estiver no coração de cada um “será apenas folclore e etnografia” e esse é o risco que se corre nas Festas do Divino que são celebradas nos Açores, disse esta noite em Ponta Delgada o Pe Marco Gomes, orador convidado de uma formação levada a cabo pelo serviço da Pastoral da Cultura sobre o Culto ao Divino Espírito Santo.

A primeira sessão desta iniciativa mais ampla, que este serviço diocesano quer levar a cabo, lançando subsídios para um melhor conhecimento destas festas e deste culto, tão enraizado na religiosidade popular açoriana, realizou-se esta sexta-feira, na Igreja de São José, em Ponta Delgada tendo como oradores os Padres Marco Gomes e Ricardo Tavares e a licenciada em Filosofia, Carolina Dias.

Dirigida essencialmente aos membros das várias Irmandades e Impérios da ilha de São Miguel, esta iniciativa formativa procurou abordar as origens do culto, o seu significado e enraizamento na cultura popular açoriana.

“Tenho a certeza de que, para qualquer açoriano, ser coroado é mais importante do que ser crismado” disse o Pe Marco Gomes, pároco na Fajã de Cima, lembrando que os gestos são importantes mas há que atender a outros aspetos.

“O Espírito Santo só está nos símbolos se estiver no coração de cada um;  senão é folclore. É apenas socialização” afirmou o Pe Marco Gomes, sublinhando que “o lugar onde Ele repousa é o coração das pessoas” pois se “não estiver lá não adianta termos a coroa,  a bandeira, a carne, o pão, o vinho… a festa” e isto acontece sempre “que se criam obstáculos”.

“O Espírito Santo atua de forma livre e espontânea em cada um de nós desde que nós não criemos resistências”, precisou o pároco de uma das freguesias micaelenses onde existem vários impérios do Divino Espírito Santo.

O sacerdote falou da relação que existe entre o culto, a liturgia, os sacramentos e o espirito destacando que “quando o espirito fica escondido numa celebração, quando não se dá espaço a que o espírito seja o protagonista de uma celebração, não estamos a adorar a Deus” e a Trindade “deixa de ter unidade”. E, este “pode ser um problema” adianta.

Referindo-se ao “eventual” afastamento entre o culto do Espirito Santo e a liturgia oficial da Igreja, o Pe Marco Gomes procurou explicá-lo através do binómio simplicidade e formalidade.

“O Espírito Santo gosta de desarrumar o que está demasiado organizado porque Ele não se deixa capturar, nem cristalizar pelas nossas normas e necessidades de segurança, pelo formalismo ou pelo cerimonial” destaca o sacerdote, frisando que “o excesso de ritualidade e o peso da instituição e a incompreensibilidade dos gestos e dos símbolos nos afastam da simplicidade” a que o Espírito convida.

Uma ideia partilhada pelo Pe Ricardo Tavares, diretor do Serviço Diocesano da Pastoral da Cultura.

“O Espírito Santo quer mudar o mundo com a nossa ajuda e não quer que uma só pessoa faça tudo sozinha; Ele quer a partilha,  não quer vaidade; torna-nos democráticos e fraternos “ e por isso às vezes as manifestações em sua honra são “incompreendidas”.

O sacerdote, que é professor de Educação Moral e Religiosa Católica e promoveu este encontro e lembrou que as Festas do Espírito Santo, “tão enraizadas nos Açores “ podem ser “um contributo valioso para que a igreja se torne também mais solidária e mais próxima do Espirito Santo.”

O Pe Ricardo Tavares procurou, ainda,  explicar o valor  e o significado teológico de cada um dos símbolos do Espírito Santo a partir de exemplos concretos descritos em textos bíblicos.

Durante a sessão falou também Carolina Dias apresentando uma perspetiva filosófica, teológica e etnográfica destas festas.

O objetivo destes encontros é “formar e informar” os agentes pastorais sobre o Culto ao Divino Espírito Santo, particularmente mordomos e membros das irmandades do Divino Espirito Santo.

Por outro lado, a equipa da pastoral da cultura quer, igualmente, recolher elementos que possam contribuir para um trabalho de sistematização e aprofundamento do conhecimento deste culto, por forma a não se perder uma possibilidade de evangelização a partir de uma realidade da religiosidade popular.

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