Últimos ranchos da Quaresma teriam partido esta madrugada para regressarem na quinta-feira santa, na missa da ceia do Senhor com o habitual rito do lava-pés
A pandemia de covid-19 voltou este ano a impedir a realização das tradicionais Romarias Quaresmais na ilha de São Miguel, nos Açores, adiando o intercâmbio “entre famílias e romeiros” e “o retiro espiritual” de quem participa neste movimento.
“Sentimos uma tristeza muito grande. Em 2020, as romarias foram suspensas na terceira semana da Quaresma, devido à covid-19. Este ano, apesar do alívio das restrições, decidimos pela não realização as romarias, porque envolveria uma logística de preparação com uma antecedência entre três a quatro meses. E, naquele período, ainda existiam condicionalismos devido à pandemia”, afirmou o presidente da Associação Movimento de Romeiros de São Miguel, João Carlos Leite, em declarações à agência Lusa.
As romarias quaresmais de São Miguel, que mobilizam cerca de 2.500 homens, celebram este ano 500 anos, uma efeméride que fica também adiada para 2023.
“Foi uma decisão um pouco precoce, mas a pandemia não permitiria preparar toda uma logística acentuada das romarias”, explicou à Lusa, lembrando que as romarias implicam uma mobilização de ranchos, famílias e o contacto com grande parte da população.
O presidente da associação justificou que, “atendendo à instabilidade da situação pandémica”, as habituais pernoitas dos romeiros em casas particulares seriam “difíceis”, e nos salões “também não seria fácil”.
Para muitas famílias, a “grande vivência da Quaresma é o acolhimento de romeiros”, observou.
“Há também muita tristeza entre os romeiros, porque as romarias são quase como um retiro espiritual”, assinalou.
De acordo com o responsável, alguns romeiros “estão tão ansiosos” por voltarem a percorrer as estradas de São Miguel “em oração e nesta caminhada de fé”, que “vão criando romarias e eventos virtuais”.
Os primeiros ranchos das tradicionais romarias da Quaresma em São Miguel saem todos os anos para a estrada no fim de semana a seguir à Quarta-feira de Cinzas e os últimos regressam às suas localidades na Quinta-feira Santa.
Durante aquele período, os romeiros percorrem muitos quilómetros a pé durante uma semana, usando um xaile, um lenço, um saco para alimentos, um bordão e um terço, num percurso de oração, fé e reflexão, entoando cânticos e rezando.
Durante a semana em que estão na estrada, os romeiros dormem em casas particulares ou em salões paroquiais, devendo iniciar a caminhada antes do amanhecer e entrar nas localidades logo a seguir ao por do sol.
A média de elementos de cada grupo ronda os 50 homens e as romarias devem cumprir um percurso sempre com mar pela esquerda, passando pelo maior número possível de igrejas e ermidas de São Miguel.
Segundo o presidente da Associação Movimento de Romeiros de São Miguel, na maior ilha açoriana existem 53 ranchos.
Estas romarias quaresmais, segundo a tradição, tiveram origem na sequência de terramotos e erupções vulcânicas ocorridas no século XVI na ilha, que arrasaram Vila Franca do Campo e causaram grande destruição na Ribeira Grande.
(Com Lusa)