Por Tomaz Dentinho
A Romaria de Nossa Senhora da Conceição da Terceira segue o saber adquirido ao longo de séculos pelas romarias de São Miguel, e tem a vantagem de receber todos os anos romeiros da Ilha Grande que congregam a criatividade do canto com a sabedoria da tradição e a ligação solicitada da Graça. E sendo um ritual cultivado na paisagem, enraizado na alma e marcado pela interligação entre crentes, gera naturalmente diversidade que vivifica todos os intervenientes na unidade em torno de Deus, de Cristo e da Igreja com a presença maternal de Nossa Senhora.
O que lembro de bom é o tempo magnífico que se fez sentir nesses cinco dias e cinco noites que os caminhos e ermidas da Ilha Terceira conseguem albergar incluindo um dia pelo interior rumo à Senhora do Mato. No início apetece ficar por ali a andar e a rezar à volta da Ilha com paisagens rurais, urbanas e naturais maravilhosas onde, depois de deixarmos cair vários filtros mentais que nos impedem ver, conseguimos vislumbrar a criação, sempre redimida porque participada por homens e mulheres falhos e limitados. Mas há medida que os dias avançam as dores do corpo e da alma vão surgindo, umas lembrando as outras; e estas relativizando aquelas. O deserto, como diz Thomas Lawrence nos Sete Pilares da Sabedoria, é limpo ou vai-se tornando limpo. E é esse deserto da romaria que é bom visitar de vez em quando para que tudo fique um pouco mais claro ao perto e ao longe.
Como dizia alguém, foi a primeira vez que se sentiu um Rancho. Antes havia um conjunto de peregrinos logisticamente guiados pelo Mestre e espiritualmente conduzidos pelo nosso Padre. E continua a ser assim só que a logística interna e externa parece mais suave à medida que mais romeiros se conhecem e dominam as regras de funcionamento da romaria. O acompanhamento espiritual é agora mais profícuo não só porque nos conhecemos melhor mas também porque a confiança e a humildade que existe normalmente entre irmãos se torna mais presente na romaria da Ilha Terceira.
Também a interação com a Ilha foi mais normal. Não houve espanto nem novidade quando a Romaria saiu e percorreu estradas e canadas. Mas registaram-se muito mais pedidos de oração e muito mais gente a dizer que gostaria de ir para o ano que vem. Também foi um ano de luto porque um romeiro nos passou a acompanhar lá de cima; terá pedido bom tempo para que nos visse melhor mas esse facto lembrou também o significado da vida, da morte e da oração.
Foi na verdade uma romaria mais de Páscoa do que de Quaresma. Pelo tempo bom que fez, pela esperança presente em cada dor de alma e de corpo e porque todas as Igrejas e Ermidas estavam abertas à nossa passagem. Que grande organização e que grande dádiva ter alguém para abrir pequenas capelas das 4 horas da madrugada até às 7 horas da noite. E mais quem nos oferece mais de meia dúzia de refeições por dia e quem nos recebe na sua casa numa manifestação espantosa de irmandade.
Para o ano vai ser a décima romaria da llha Terceira e muitas coisas podem ser ainda melhores, que isto com Nosso Senhor a ânsia de fazer melhor a partir do melhor está sempre presente. Primeiro temos que mobilizar catequeses e escolas, amigos e colegas para esta vivência espantosa que ajuda a melhorar a vida. Depois podemos pedir mais guarida nas casas das pessoas porque é nas famílias que começam as dádivas colectivas. E finalmente é preciso mais do mesmo que é Muito Bom.