Responsabilização de quem encobre casos é passo decisivo, defende arcebispo irlandês

Trabalhos na cimeira convocada pelo Papa têm sublinhado necessidade de regras claras para dar seguimento a denúncias

O presidente da Conferência Episcopal Irlandesa disse hoje à Agência ECCLESIA, no Vaticano, que a responsabilização de bispos e responsáveis de institutos religiosos que sejam negligentes nos casos de abusos sexuais é uma medida necessária para a credibilidade da Igreja Católica.

“O que falta, penso, é o apelo de vítimas e sobreviventes a uma responsabilização. O que é que acontece se um padre ou um bispo abusa de uma criança? O que acontece se um bispo ou um superior de um instituto religioso falha, na implementação das diretrizes da Igreja Católica?”, assinalou o D. Eamon Martin, arcebispo de Armagh.

O participante no encontro sobre a proteção de menores na Igreja, convocado pelo Papa, referiu que os trabalhos iniciados esta quinta-feira têm apelado à definição de um procedimento “claro, um processo justo”.

“Um bispo, um superior religioso tem o direito de ser ouvido, de forma justa, à defesa, em caso de serem acusados de negligência grave. E, depois, claro, há que enfrentar a punição”, acrescentou.

“Eu deixei esta pergunta, ontem, no grupo de trabalho: se, como bispo, não consigo assegurar que os menores estão seguros, como é que posso continuar a ser o pastor do rebanho? Como é que posso continuar a ser um princípio de unidade dentro da minha Igreja?”

O presidente da Conferência Episcopal Irlandesa deixa votos de que, no final deste encontro, exista “um compromisso muito claro”, por parte dos 190 participantes.

“Julgo que o processo não estará totalmente concluído, porque isso vai exigir que os peritos se reúnam e trabalhem, mas espero que o façamos rapidamente. Entretanto, todas as Igrejas locais e Conferências Episcopais podem começar o processo, no terreno, com a responsabilização. Já temos procedimentos claros implementados. Graças a Deus, também já temos as melhores práticas na salvaguarda. A questão seguinte é como é que seremos responsabilizados por isso”, precisou D. Eamon Martin.

Para o arcebispo de Armagh, é preciso “mostrar às vítimas e sobreviventes que a sua voz foi ouvida”.

O responsável relatou que teve “vários encontros com vítimas e sobreviventes”, como o Papa pediu, para preparar para esta cimeira, que se conclui no domingo.

Os testemunhos são parte do programa que decorre no Vaticano: “Ontem [sexta-feira] à tarde, antes do final da sessão, uma jovem italiana relatou-nos a sua horrível experiência. Penso que isso ajudou a manter a voz das vítimas e sobreviventes a ecoar em todas as nossas conversas e discussões”.

A Irlanda, um dos países mais afetados pela crise dos abusos sexuais cometidos por membros do clero ou em instituições religiosas, tem hoje uma comissão nacional, formada por peritos, leigos, que tenham competência, profissionais desta área.

“Eles asseguram que os padrões de prevenção e salvaguarda, dentro da Igreja, na Irlanda, em todas as dioceses e congregações religiosas, correspondem às melhores práticas, nesta área”, precisou o arcebispo irlandês.

À entrada para os trabalhos desta manhã, D. Anthony Fallah Borwah, bispo de Gbarnga, na Libéria, disse aos jornalistas que o conceito de tolerância zero, que tem estado em debate, implique qualquer medida ou punição “que evite, em definitivo, a repetição destes atos”.

“Queremos ser claros, a esse respeito”, declarou.

O que pedimos são diretivas que se aplica às dioceses de todo o mundo, porque há abusadores sexuais em todos os lugares. Mas também há a exploração do trabalho infantil, por exemplo, e é preciso ter uma perspetiva global sobre o tema”.

Para o presidente da Conferência Episcopal da Libéria, em primeiro lugar, as vítimas devem ser ouvidas.

“Por norma, percebemos que quando as pessoas vieram denunciar, foram afastadas, tratadas como mentirosas”, lamentou.

Após esta escuta, disse D. Anthony Fallah Borwah, é possível começar um diálogo, com as vítimas, abordando o “perpetrador”.

“A esperança é que nasça um processo de cura. Há um longo caminho a fazer, é um processo, e a escuta vem em primeiro lugar”, assumiu.

O responsável espera que, a este encontro, se sigam outras reuniões, regionais e diocesanas.

“Esta foi a primeira vez que nos reunimos, de forma global, como responsáveis das conferências episcopais, para enfrentar, de uma vez por todas, este problema. É um bom primeiro passo”, concluiu.

O programa da cimeira decorre, este sábado, com um dia de trabalhos dedicado ao tema da “transparência”, que culmina com uma Liturgia Penitencial, na sala régia do Palácio Apostólico do Vaticano, que inclui o testemunho de uma vítima de abusos.

 

Igreja Portuguesa projeta novas instâncias de denuncia

 

Também o Cardeal Patriarca de Lisboa projeta reforço de “instâncias de discernimento e acompanhamento” nas comunidades católicas

“Têm surgido ideias, no sentido de nos equiparmos nas nossas Igrejas locais, nas dioceses, e também entre as Igrejas de um país, nos equiparmos e reforçarmos as instâncias de discernimento e acompanhamento de tudo aquilo que diz respeito à proteção dos menores, que é uma prioridade absoluta”, disse à Agência ECCLESIA, no final do segundo dia da reunião convocada pelo Papa, que reúne 190 presidentes de episcopados e responsáveis de institutos religiosos.

O presidente da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) destaca a necessidade de colaboração de vários especialistas, dotando as estruturas nacionais e locais de pessoas e recursos.

As propostas apresentadas nos trabalhos, no Vaticano, passam por “reforçar as equipas, as comissões para a proteção de menores”.

“Com a colaboração de pessoas especializadas – clérigos, leigos, leigas – que efetivamente possa ajudar-nos nesta, podemos chamar-lhe batalha, porque é isto mesmo, pelo bem das crianças”, indica.

As várias intervenções destacaram a “complexidade” do fenómeno dos abusos sexuais.

 

“A maneira de o enfrentar e resolver é também com tudo aquilo que as ciências humanas, a sabedoria e, para nós crentes, a fé possa contribuir”, realça o presidente da CEP.

“É uma questão realmente muito ampla, que toca zonas muito profundas da humanidade que somos e que, às vezes, não são boas, precisam de ser corrigidas, compreendidas e ultrapassadas. É um fenómeno moral, com certeza, mas também psíquico e até psiquiátrico, sociológico, cultural”, prossegue.

O presidente da CEP considerou que o futuro passa pelo “reforço do propósito” assumido normas de 2012, em vigor na Igreja Católica em Portugal.

“Mais do que o propósito, da prática que nós já vimos desenvolvendo, com grandes indicações da Santa Sé, de há uns anos a esta parte, e que em Portugal já passou por aquelas normas de 2012, que nós estamos a aplicar nas nossas dioceses, para prevenir e, na medida do possível, remediar situações destas, que não podem acontecer”, observou.

É desenvolver aquilo que já vamos fazendo, que é ajudar-nos uns aos outros, coisa que já é praticada, até porque nós nos encontramos várias vezes, e por isso as soluções que um tem podem servir também para outro. Isso faz parte da partilha da Igreja em todos os aspetos e neste, que é prioritário, também”.

O cardeal-patriarca considera muito positivo o decorrer dos trabalhos, com contributos “de muitos continentes, de muitas culturas, muitas sociedades”, sobre a questão dos abusos e da proteção dos mais vulneráveis.

“Para todos nós ficou mais claro, se isso se pode dizer, que isto é uma absoluta prioridade”, concluiu D. Manuel Clemente.

O programa da cimeira prossegue, este sábado, com um dia de trabalhos dedicado ao tema da “transparência”, que culmina com uma Liturgia Penitencial, na sala régia do Palácio Apostólico do Vaticano, que inclui o testemunho de uma vítima de abusos.

(Agência Ecclesia)

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