“Responsabilidade”, “educação “ e “valores éticos” são indissociáveis da Inteligência Artificial, refere Maria do Céu Patrão Neves

 

Foto: Igreja Açores /MCPN

A professora catedrática de Ética, atual presidente do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida, afirma que há desafios e perigos que só poderão ser ultrapassados com a educação dos cidadãos

A ética e a Inteligência Artificial são indissociáveis e sem a primeira há sérios riscos para a humanidade decorrentes de mau uso e aproveitamento indevido do potencial das novas tecnologias, afirma Maria do Céu Patrão Neves, professora catedrática de Ética interpelada pelo Sítio Igreja Açores na sequência da mensagem do Papa para o 57º Dia Mundial da Paz.

Na sua mensagem para o primeiro dia do ano, consagrado por Paulo VI, Dia Mundial da Paz, Francisco denuncia os riscos de sistemas de regulação das “opções pessoais” baseados em algoritmos, com riscos de manipulação de indivíduos e sociedades.

“Estas formas de manipulação ou controlo social requerem atenção e vigilância cuidadosas, implicando uma clara responsabilidade legal por parte dos produtores, de quem os contrata e das autoridades governamentais”, escreve, num texto intitulado ‘Inteligência Artificial e Paz’.

“Todo o discurso do papa Francisco vai no sentido de chamar a atenção para o desenvolvimento que  o progresso científico traz a humanidade, mas não deixa de alertar para os riscos, nomeadamente da Inteligência Artificial que não é neutra e por isso não pode servir interesses obsessivos de controle da humanidade mas deve servir a humanidade” refere a atual presidente do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida.

“O Santo Padre chama, particularmente,  a atenção para a desinformação e a desconfiança que esta desinformação gera nomeadamente nas fake news… Ora isto só se combate através da educação” refere  a professora catedrática.

“A educação dos utilizadores e o desenvolvimento do espírito crítico são absolutamente essenciais” sublinha lembrando  que este é o principal problema nas sociedades atuais.

“A esmagadora maioria das pessoas não tem sentido crítico em relação à informação que recebe, e também não tem responsabilidade em relação à informação que dissemina. A informação que nos chega e a informação que damos nem sempre é verdadeira, nem sempre obedece ao critério da verdade” refere ainda Maria do Céu Patrão Neves destacando que isso “gera desconforto, descrédito e insegurança”. E, acompanha os alertas do Papa na utilização desta tecnologia ao serviço da guerra.

“Permitindo o seu controle remoto, esta tecnologia provoca ainda uma distância que nos afasta dos horrores da guerra o que tenderá , até do ponto de vista emocional, a relativizarmos a sua existência e as suas consequências” refere a professora catedrática.

“A utilização de IA no contexto da guerra faz com que a guerra  quase não nos toque,  afastando-nos dos horrores da violência e consequentemente a uma reação negativa a essa mesma guerra” diz ainda.

“A inteligência Artificial deve servir a Humanidade e não interesses sectoriais ou privados de grupos” adianta salientando o esforço que tem sido desenvolvido pela União Europeia para regulamentar a investigação e o uso da Inteligência Artificial, fundamentando-a em valores éticos.

A mensagem do Papa, já reiterada noutras intervenções,  alerta para o “uso invasivo da vigilância ou da adoção de sistemas de crédito social.”

“Não se deve permitir que os algoritmos determinem o modo como entendemos os direitos humanos, ponham de lado os valores essenciais da compaixão, da misericórdia e do perdão, ou eliminem a possibilidade de um indivíduo mudar e deixar para trás o passado”.

O Papa aponta ao impacto das novas tecnologias no âmbito laboral, pedindo que os responsáveis políticos promovam “o respeito pela dignidade dos trabalhadores e a importância do emprego para o bem-estar económico das pessoas, das famílias e das sociedades, a estabilidade dos empregos e a equidade dos salários”.

Francisco alude aos desafios para a educação, colocados pela utilização de formas de inteligência artificial, defendendo a “promoção do pensamento crítico”.

“Falar de ‘formas de inteligência’, no plural, pode ajudar sobretudo a assinalar o fosso intransponível existente entre estes sistemas, por mais surpreendentes e poderosos que sejam, e a pessoa humana”, acrescenta.

A mensagem sublinha a necessidade de instituir organismos internacionais que possam “examinar as questões éticas emergentes e tutelar os direitos” das pessoas.

“A dignidade intrínseca de cada pessoa e a fraternidade que nos une como membros da única família humana devem estar na base do desenvolvimento de novas tecnologias”, insiste Francisco.

O Papa assume que a inteligência artificial se vai tornar “cada vez mais importante”, levantando desafios “não apenas de ordem técnica, mas também antropológica, educacional, social e política”.

“Deste modo, os progressos notáveis das novas tecnologias da informação, sobretudo na esfera digital, apresentam oportunidades entusiasmantes, mas também grave risco, com sérias implicações na prossecução da justiça e da harmonia entre os povos”, prossegue.

A entrevista com Maria do Céu Patrão Neves pode ser ouvida no programa Igreja Açores do próximo domingo, dia 7 de janeiro a partir das 12h00 no Rádio Clube de Angra e depois das 18h00 na Antena 1 Açores.

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