Livro comemorativo dos 150 anos do Seminário Episcopal de Angra foi lançado esta quinta feira
A história recente do Seminário Episcopal de Angra que “contribuiu para a formação de jovens que se inseriram e enriqueceram a Igreja e a sociedade, mesmo sem terem optado pelo sacerdócio” deve “servir de lição” para todos os que “irrefletidamente apregoam o fim desta Instituição” disse esta quinta feira à noite o reitor do Seminário Episcopal de Angra no lançamento do livro que assinala os 150 anos da instituição.
“O presente, fundamentado nas sãs tradições do passado que temos o dever prioritário de conhecer, tem de estar aberto ao futuro e aos graves desafios que a formação sacerdotal coloca”, disse o Cónego Hélder Miranda Alexandre, sublinhando que o Seminário de hoje continua uma caminhada que sendo “ verdadeiramente diversa da que foi no passado”, com menos alunos, com uma formação mais personalizada e uma disciplina menos rígida, também é “muito mais permeável ao contemporâneo, com todos os desafios e problemas que daí advêm”.
“Há quem pense que o seu futuro pode até estar em causa, devido ao problema, ainda não resolvido, da equivalência curricular universitária. O Seminário existe em ordem à formação sacerdotal, mas a história demonstra que esta Instituição ultrapassou os seus propósitos”, acrescentou o Reitor.
O responsável pelo Seminário deixou, ainda, vários desafios que a instituição deve assumir como prioritários no seu modelo formativo.
“As orientações da Igreja dos nossos dias manifestam a riqueza e complexidade da formação num Seminário. Tende-se para um equilíbrio formativo que corresponda aos ideais e à pessoa que se disponibiliza a fazer este percurso”, afirmou o reitor.
“Os jovens que passam por um Seminário não podem ser formatados, modelados segundo critérios distantes da realidade. Há que descobrir em cada um deles o homem que é, e acompanhá-lo nos seus dinamismos para que correspondam à chamada divina, que tem de ser permeabilizada pela autoridade da Igreja, através de um processo vocacional ponderado e paulatinamente amadurecido”, destacou ainda o Cónego Hélder Miranda Alexandre.
O reitor, que coordenou este livro – “O Seminário Episcopal de Angra. 150 Anos de Formação”- aproveitou a oportunidade para explicar que o trabalho resultou da necessidade de “atualizar e completar” a única obra que existia sobre a história do Seminário, promovendo, com uma “linguagem singela e calma”, um “esboço histórico daquilo que, nos diferentes tempos, se realizou, em vista à formação do Clero, nos Açores”.
“Ao critério inteligente do leitor fica reservado o trabalho mais difícil, se bem que mais agradável, de apreciação dos factos”. Aliás, ”o maior desafio esteve em escrever História e não descrever simples vivências, para que não se corra o risco de falta de objetividade”, clarificou ainda o reitor.
O livro surge na sequência das comemorações dos 150 anos da fundação do Seminário e servirá para lembrar o reconhecimento “do lugar que merece na História da Diocese e dos Açores”.
O Cónego Hélder Miranda Alexandre agradeceu, ainda, o contributo de todos os colaboradores “estudiosos”, que ao longo desta edição manifestaram uma “preocupação pela verdade histórica, objetivamente distanciada dos subjetivismos das vivências de cada um, porventura muito interessantes e dignas de registo”.
“Este trabalho não é exaustivo, mas apresenta uma noção de conjunto equilibrado e doravante imprescindível para novas investigações. Surgiu a ideia de publicar a lista completa de todos os alunos, mas, dada a sua dimensão, a mesma permanece disponível apenas em formato digital informático”, conclui ainda o reitor.
O Livro está dividido em duas partes: a primeira integra as intervenções dos historiadores convidados, retratando quatro épocas fundamentais. A segunda parte recolhe os documentos e factos das celebrações do tricinquentenário da fundação do Seminário e conta com textos de vários investigadores de entre os quais se destacam Avelino de Meneses, José Guilherme Reis Leite, Susana Goulart Costa, Cónego João Maria Mendes, José Olívio Rocha e o poeta e dramaturgo Álamo de Oliveira, entre outros.
A apresentação da obra esteve a cargo do perfeito de estudos do Seminário, Pe Júlio Rocha que a descreveu “como um livro de história. Não um compêndio, sim uma obra, a várias mãos, com matizes diferentes mas com semelhante rigor histórico, que há muitos anos fazia falta: a história de uma das instituições mais importantes do nosso Arquipélago”.
“Não é comum que uma instituição como o Seminário Episcopal de Angra, durante muitos anos o maior pólo cultural dos Açores, que formou grandes sacerdotes, pensadores, políticos, historiadores, cientistas, poetas, escritores e tantas outras figuras históricas, se tenha esquecido de si mesmo”, disse o sacerdote, lembrando que a imagem nítida dessa “auto-amnésia”, é a “quase total ausência de comemorações no seu centenário, em 1962, e de existir uma única publicação de um livro sobre o Seminário e a sua história: a de José Augusto Pereira, o cónego Pereira (O Seminário de Angra. Esboço Histórico)”.
Para o Pe Júlio Rocha este livro é “uma história fidedigna” da instituição em “artigos científicos e rigorosos” , escritos de “uma forma sucinta mas clarividente, diferenciada mas bem compartimentada em épocas definidas”, passando em revista os vários textos que compõem o livro.
Entre eles , o apresentador destacou «A formação do clero dos Açores da era do Povoamento à inauguração do Seminário Episcopal em 1962», de Avelino Meneses onde se contam os primórdios do Seminário; “Seminário de Angra 1862-1910. Algumas notas sobre a sua história”, de Guilherme Reis Leite; “O Seminário de Angra de 1910 a 1965”, de Susana Goulart Costa e o trabalho “O Seminário Episcopal Angrense a partir de 1965. Algumas breves notas históricas”, do Cónego João Maria Mendes, que assinala as consequências dos ventos conciliares na organização e funcionamento desta instituição.
O Pe Júlio Rocha evidenciou, também, o trabalho de Álvaro Monjardino sobre a “Influência do Seminário Diocesano na Cidade de Angra e nos Açores nas décadas de 50 e 60”, que apelidou de “notável testemunho vivencial, entre o pessoal e o histórico” e a peça de teatro escrita por Álamo de Oliveira e levada a palco por alunos do seminário a 10 de Novembro de 2012, intitulada “São Poucos os Escolhidos”.
O Pe Júlio Rocha fez uma referência aos chamados “anos de ouro” do Seminário, na década de 50 e 60, não só pelo número de seminaristas mas também pela pujança dos corpos discente e docente, de que nasceria uma das mais emblemáticas associações culturais de que a região ainda hoje beneficia: O Instituto Açoriano de Cultura, fundado em 1955 por professores da casa.
Depois de percorrer de forma mais ou menos exaustiva os vários textos que compõem a obra, o sacerdote fez uma analogia entre o simbolismo da oliveira, uma árvore centenária plantada no Claustro do Seminário, e a longevidade da instituição.
“A oliveira é um ser vivo resistente. Relatos há de oliveiras milenares, cujo fruto é tão saboroso ao paladar quanto ritualmente decisivo, nos nossos óleos sacramentais. A oliveira permanece por duas razões: primeira, porque é resistente à erosão do tempo e à violência dos elementos; segunda, porque sabe adaptar-se à erosão do tempo e à violência dos elementos”, afirmou o Pe Júlio Rocha.
Numa intervenção bem ao seu estilo, construída a partir de uma história concreta acerca de um seu professor de história de Teologia Moral, em Roma, o prefeito de estudos do Seminário de Angra sublinhou que conhecer a história do Seminário é também uma forma de encarar o futuro.
“Estamos numa encruzilhada e a instituição `Seminário de Angra´ está no cerne dessa encruzilhada” marcada entre outros pela “ crise de vocações; a crise de fé; o cinzentismo de ideias teológicas que vemos aparecer e reaparecer de vez em quando como uma sombra sobre a Igreja; a fragmentação do saber na era da pós pós-modernidade; o medo; a ideia perniciosa de que o sacerdote é um ritualista e não um pastor; a ideia de que o sacerdote é mais doutor, profissional ou especialista do que pastor; a dificuldade em conciliar a verdadeira imagem do padre para este tempo; a falta de coragem, da parte de alguns sectores da Igreja, para enfrentar e compreender a cultura actual ou a dolorosa ausência da Igreja da questão social do nosso tempo”, frisou.
No fundo, “tantas outras realidades que têm a ver com tudo menos com a verdadeira razão de ser da Igreja, do seminário, do sacerdócio, do laicado, dos sacramentos: Jesus Cristo e o Seu Reino dos Céus”, disse o Pe Júlio Rocha.
“Tudo isto vem bater à nossa porta como um desafio a que somos convidados, como oliveiras, à resistência e à adaptação” sublinhou ainda o sacerdote sublinhando que há “o dever histórico de sermos pólo de cultura, sem esquecer a nossa matriz de formação de pastores” o que exige “uma autonomia curricular”, pela qual “precisamos de lutar”.
“Precisamos, acima de tudo, de compreender este tempo, para que o amanhã não nos apanhe de surpresa. E este tempo, o nosso, é caracterizado, sobretudo, por uma profunda debilidade espiritual e existencial”, afirmou.
“Estar à altura de compreender, de amar, de ser uma resposta aos homens e mulheres, portadores dessa profunda debilidade espiritual e existencial é o maior desafio que se coloca à Igreja e, concretamente, a esta casa. O futuro dirá o que aprendemos com o passado”, concluiu.
A cerimónia de apresentação do livro contou com a presença dos bispos de Angra, D. António de Sousa Braga e D. Carlos Azevedo, delegado no Conselho Pontíficio da Cultura da Santa Sé, que esta sexta feira proferirá uma conferência sobre o confronto entre franciscanos e os prelados diocesanos, no final do Antigo Regime, bem como dos autores, da maioria dos sacerdotes da ouvidoria da Terceira e de muitos leigos da ilha Terceira.
Durante o lançamento, que decorreu no Salão do Seminário, houve ainda oportunidade para um momento musical a cargo do Coro da Academia de S. Tomás de Aquino, dirigido pelo seminarista Vitor Mourinho, que contou com a colaboração de alguns elementos do Coro da Terra Chã.