A relação da Igreja com a sociedade açoriana foi construída desde os primórdios dopovoamento, articulando grupos dominantes e dominados, modelando o espaço e configurando as instituições nas diferentes ilhas dos Açores
Por isso, a dimensão religiosa não pode ser separada das outras esferas da ação humana quando procuramos as constantes históricas e sociológicas da identidade açoriana.
Com efeito, uma Diocese insular e arquipelágica desde cedo se confrontou com a pluralidade de territórios de poderes e de situações específicas que exigem uma resposta local e adaptada. Ainda hoje, esta continua a ser uma das características estruturantes da vida da diocese. Na realidade, a Diocese na busca do desenvolvimento de respostas adequadas para a sua pastoral, nos diversos domínios, dá particular importância às ouvidorias e ao papel dos vigários episcopais tendo em conta a dispersão territorial e arquipelágica das ilhas.
Nas práticas quotidianas da religiosidade insular e nas datas marcantes do seu calendário anual (festividades religiosas) vemos muitas das “marcas culturais” e simbólicas que estiveram associadas à diversidade nos processos de povoamento. Aí encontramos também algumas referências comuns, designadamente a do culto do Espírito Santo, que foi interpretada, e bem, pelo poder político como uma das características comuns e identificadoras do Povo Açoriano.
A relação entre os fiéis e a Igreja Católica Açoriana tem vindo ao longo dos tempos a inserir-se, tal como no quadro nacional e no europeu, numa modernidade e pós- modernidade que veio transformar muitos dos traços outrora estruturantes. Com efeito, a normatividade moral e ética e o cumprimento de formas rituais de relação com o divino têm vindo a ser substituídas pela concepção de uma vivência religiosa mais subjetiva e individualista, mantendo porém muitas das características comunitárias associadas às festividades locais. Os dados conhecidos da prática religiosa nos Açores, analisados, entre outros pelo Padre Professor Doutor Octávio Medeiros, puseram em evidência estas transformações e a modificação para uma dimensão “consumista” dos bens e serviços religiosos.
Porém, estas múltiplas mutações nos campos político, religioso, cultural e económico estruturam um novo campo de ação para a Igreja. A alteração dos modos e estilos de vida e a emergência de uma sociedade orientada para uma maior competitividade não são compatíveis com uma Diocese preocupada com a conservação de aspetos ultrapassados desta relação; ao invés, exigem uma interpretação dos “sinais dos tempos” orientada para uma nova evangelização, tal como na História a Igreja foi capaz de fazer.
Neste quadro, passados quatrocentos e oitenta anos as estruturas sociais alteraram-se dramaticamente, e ao papel estruturante dos primórdios cabe hoje à Igreja, através dos seus movimentos, associações e estruturas paroquiais, de Ilha e Diocesanas, assumir-se como importante referencial tanto no domínio das práticas e comportamentos sociais como na visão do mundo e da história. Assim se contribuirá para os fiéis melhor se situarem num contexto social e cultural fluido e incerto
Rolando Lalanda-Gonçalves
Professor Auxiliar na Universidade dos Açores