Pelo Padre Hélder Miranda Alexandre
“O caminho de sinodalidade é o caminho que Deus espera da Igreja do terceiro milénio” (Papa Francisco).
O princípio, definido como “falácia naturalista”, indica que aquilo que a realidade mostra (o fenómeno) equivale ao que ela deve ser (o telos): o juízo de facto torna-se juízo de valor. Aplicado à Igreja, poder-se-ia afirmar que, pelo facto de esta ser uma realidade comunitária, os seus membros deviam ter vontade de caminhar juntos. Contudo, isso não é assim. O reunir-se ou coexistir em comunidade não é suficiente por si mesmo. Há que explorar as motivações do facto, o seu porquê. As tensões existem na generalidade das comunidades cristãs e há que reconhecê-las, porque podem destruir as boas intenções.
O caminho e os desafios propostos (primeiramente pela Diocese e depois pela Igreja Universal), em ordem ao sínodo dos bispos tem sido incipiente, por vezes ignorado, e tem muito a amadurecer. A adesão e o interesse pela caminhada sinodal, quer a nível diocesano quer universal, tem sido minada por uma indiferença generalizada e por resistências pouco compreensíveis. Deste modo, podemos ter perdido mais uma oportunidade de crescimento. O problema é profundo e deve fazer-nos refletir. Pode-se dizer que não temos bispo, que fomos massacrados pela pandemia, mas isso não justifica o arrefecimento (se é que algum dia aqueceu…), especialmente nesta fase final de auscultação. Podem-se atribuir culpas de procedimento a várias instâncias, que são inegáveis, mas isso não justifica o desinteresse. Parece que o tema esgotou e que há que virar a página. Foi mais um slogan que passará com o tempo…
Queremos realmente caminhar juntos? Esta questão é essencial porque diz respeito ao ser e viver em Igreja. Do ponto de vista teológico é claro o chamamento de Jesus a vivermos como irmãos e irmãs, em comunhão com a Trindade. No entanto, o próprio Evangelho mostra com muito realismo as dificuldades deste caminho: a mensagem do Nazareno provoca continuamente divisões entre aqueles que O acolhem e recusam (Mt 10, 34), de tal modo que o perdão e reconciliação são sempre necessários. O cansaço do seguimento e os litígios são parte do percurso; mas o mais grave é a vontade explícita de não querer partilhar um pouco de estrada comum. A tentação de excomungar-se mutuamente ressurge repetidamente, assim como aquela de não querer perdoar. Se é verdade que é falha comunitária abandonar um membro à sua sorte, não é menos grave não se deixar acolher e não se abrir ao projeto comunitário.
“Caminhar juntos” é fatigante, um trabalho filigrânico, e não podemos dar por descontado que todos o queiram fazer: às vezes existem tensões interpessoais que duram décadas, e não se superam porque chegou um sínodo. Daí a importância da conversão.
Todavia não se pode renunciar à sinodalidade. Não se pode, porque não existem alternativas. O risco é o de ter um corpo eclesial desunido, onde a autonomia é tal que os únicos elementos de comunhão são o sacramento do batismo e os confins territoriais. Não se deve, porque significaria renunciar à esperança de que a escuta recíproca pode fazer emergir convergências e perspetivas surpreendentes. É um surgir de novos horizontes como resultado de um processo, muitas vezes cansativo e cheio de desilusões, de confronto e procura de comunhão. Claro que é mais fácil ficar na bolha de conforto ou da inércia, mas esta atitude não dá hipótese ao Espírito. No Concílio Vaticano II, os documentos finais (aprovados por maiorias esmagadoras) exprimem uma visão muito mais além dos esquemas preparatórios, porque a Igreja quis caminhar e seguir em frente, apesar de todos os riscos que isso implicou.
Não tem sentido travar o processo de sinodalidade que a Igreja procura realizar, mas também não é suficiente “encontrarmo-nos” para que mude algo de real e profundo. Convém procurar mediações que ajudem a viver um processo sinodal real, seguramente limitado (essa é a nossa natureza), mas que toque a vida de quem participa e consinta oferecer um contributo para os outros, como pequenos grupos, círculos quase familiares e próximos, em que exista coragem de abertura, capacidade de identificar as questões, disponibilidade a oferecer propostas e soluções de compromisso. Autênticos lugares de discernimento como resposta a orientações gerais e mesmos contraditórias. A comunhão não é só um ponto de partida, constrói-se caminhando. De facto, a sinodalidade, como sublinhou o Papa, é “dimensão constitutiva da Igreja”.