Por Carmo Rodeia
Lembro-me bem do entusiasmo com que a minha avó encarava cada mudança. Morreu com 97 anos, com uma demência que se acentuou nos últimos três anos, a que os médicos não se atreveram a chamar de Alzheimer. Até lá quase que fazia a sua vida com relativa autonomia. Viveu os últimos dez anos de vida entre a sua casa e a dos meus pais. Primeiro com uma empregada, da idade dela e quando esta faleceu começou a viver com a minha mãe e os últimos dois anos passou-os numa residência onde todos os dias era visitada, principalmente pela minha mãe .
A avó Branquinha (o nome era Branca) gostava de mudanças e estava sempre pronta para as aceitar. Mesmo quando alguém chegava com uma ideia mais ousada, que poderia abalar a estrutura mental daquela senhora de provecta idade, mas não. Julgo que isto acontecia pelo seu sentido de acolhimento. Era muito hospitaleira e gostava de desafios.
Recordo-me que um dia, numa discussão familiar e sem argumentos para esconder o entusiasmo sempre que pairava algo de novo do ar, se saiu com esta: É tão bom mudar! Mesmo, se for para pior enquanto estamos entusiasmados com a mudança vamo-nos habituando a ela e por fim quando percebemos que afinal a mudança foi para pior já não nos damos conta e sofremos menos. O raciocínio é rebuscado e só mesmo a minha avó para o ter mas, na verdade, a pergunta base mantém-se: porque é que temos tanta resistência à mudança seja na vida pessoal seja na vida em sociedade?
Por medo do desconhecido? Pelo conforto adquirido e que a mudança pode alterar? Por representar novas ideias e novos caminhos? Porque a mudança significa perda de poder ou de referências?
Penso que é mais ou menos consensual que hoje vivemos uma mudança epocal. A pandemia primeiro e agora a guerra trouxeram mudanças significativas nos nossos comportamentos e hábitos sociais.
Muitos falam em mudanças mais profundas, a começar pela ecologia, pela relação com a natureza, mas não podemos ignorar as mudanças nos modelos económicos e políticos. De forma simplista podemos dizer: nada ficará como dantes, sem conseguirmos antecipar como será o depois.
Quando se deu o atentado às torres gémeas, a 11 de setembro de 2001, também se disse que o mundo ia ser diferente. Afinal, estamos com uma guerra no coração da Europa, que não difere muito da que aconteceu na primeira metade do século XX; os países pobres e desprotegidos continuam mais pobres e as autocracias robusteceram-se; a franja das pessoas mais ricas do mundo é cada vez mais apertada e a larga maioria dos mais pobres e vulneráveis não para de crescer…
Tivemos uma crise financeira em 2008, e se a guerra prosseguir durante muito mais tempo será repetida em 2023 porque as economias estão de rastos, agora já não por questões financeiras mas por razões da economia real.
Olhamos para a sociedade e vemos que muitas das instituições de referência perdem relevância por razões variadissimas. Uma dessas instituições é a Igreja Católica.
De facto, nada será como dantes e isso não tem que ser necessariamente mau.
Em Efésios lemos que a Igreja era algo tão importante para o Senhor Jesus, que foi por ela que Ele morreu (5:25); na mesma carta, vemos como a Igreja é o corpo de Cristo, que precisa de todas as partes ligadas, ajustadas e em funcionamento, para que se desenvolva, permaneça e cumpra a sua função, absolutamente inequívoca, “considerando-nos uns aos outros, para nos estimularmos ao amor e às boas obras” (Hebreus 10:24-25).
O assunto dava vários artigos e dará se esse for o caminho, mas o que importa aqui é perceber as razões desta perda de relevância da Igreja e atuar nelas para prosseguirmos. A questão já não é apenas no âmbito da fé; é também do ponto de vista histórico, social e cultural.
Na recente entrevista à CNN Portugal, o Papa Francisco , quando a Maria João Avillez lhe pediu uma luz para estes tempos difíceis, deixou este desafio: “Olhem para a janela. E perguntem-se: ‘A minha vida tem uma janela aberta?’ Se não tiverem, abram-na o quanto antes. Não tenham vistas curtas. Saibam que estamos a caminhar para o futuro, que há um caminho. Olhem para o caminho”. E o caminho faz-se de compromissos.
Tenho para mim que era esta disponibilidade que fazia da avó Branquinha uma entusiasta da mudança: considerava que nunca tinha nada a perder.