Pelo padre Marco Sérgio Tavares
Há um fenómeno global incontrolável: a droga! Há droga em todo o lado: nas cidades e freguesias, nas prisões, nos ricos, nos pobres. Ela dá à costa, entra pelo ar, vem disfarçada em brinquedos, em fundos de mala, é arrumada nos autoclismos das escolas e destrói vida, destrói famílias…
Desconhecem-se famílias onde não haja um filho pródigo da droga. Com a pandemia o seu acesso, tráfico e comércio encontrou entraves. Não só pelos confinamentos, fechos de aeroportos, recolher obrigatório, limites à circulação, maior policiamento, mas porque o núcleo duro (heroína, cocaína) se viu quase impossibilitado de chegar às ilhas. Tempos houve em que a “erva” esteve ao mesmo preço que uma dose de heroína por que simplesmente… não havia. O engenho humano, tanto para o bem como para o mal, obriga à “cultura do desenrasque” e então, de forma galopante, as drogas sintéticas na realidade açoriana vão ganhando terreno pelo seu fácil acesso (uma dose é pouco mais cara que um prato do dia: 10€) e o vazio legal que não proíbe o consumo nem a posse, mas apenas o comércio ilegal. Soube até de um episódio caricato onde as forças policiais tiveram que devolver ao dono, no seu domicílio, a droga apreendida, porque o mesmo tinha sofrido danos morais aquando da apreensão – imagine-se a forma como anda a justiça… e os vazios legais acerca do assunto em questão. Não há bela sem senão. E as drogas sintéticas criam hábitos de dependência tal a manipulação química que a torna legal e a ausência de uma mediação e tratamento específicos.
É meritório o trabalho de prevenção, o labor no terreno feito por algumas instituições. No entanto, não é suficiente. A Sociedade, e até a própria Igreja, não sabem lidar com este fenómeno, porque os filhos pródigos não param de aumentar. É fácil assistirmos ao seu comércio, ao seu consumo e ao fechar de olhos para simplesmente não nos chatearmos. Este lavar de mãos, porém, traz ao de cima uma realidade…os regressos dos pródigos.
A vida pastoral (e não só) já me permitiram assistir ao vivo todo o atrás descrito, o que me leva a formular a pergunta evangélica de outra forma: de “quem é o meu próximo”? por quem é o meu pródigo?
A paternidade/maternidade leva à filiação. Porque há pais, logicamente há filhos, não órfãos. Quem é o meu pródigo?
O meu pródigo é o meu filho que acolho com a misericórdia e com a festa. Diante da alienação do mundo dos estupefacientes e das fragilidades humanas, que podem acontecer em qualquer família, só há um caminho: aceitar-se e cada qual aceitar a sua história. Os caídos sabem que a vitória não está no caminho mais fácil, mas na aceitação duma vontade, ou melhor, uma vontade em simbiose: aceitar a vontade Daquele que me criou como filho amado e aceitar a pessoa do outro que necessita do meu ombro.
Numa consulta, o médico perguntou ao caído: “quem são os teus amigos?” Está claro que a resposta não foi o pai ou a mãe que estão em casa, nem sequer o irmão mais velho como a parábola da misericórdia narrada por Jesus.
Ainda professor novo, Joseph Ratzinger, tem uma publicação intitulada A fraternidade dos cristãos, oriunda de cursos dados em Viena, no longínquo 1958, onde explora o conceito de irmão desde o mundo grego, passando pelo Antigo Testamento, o helenismo, Iluminismo, marxismo, em Jesus e em todo o Novo Testamento e Patrística. Seria interessante lê-lo à guisa da pergunta inicial: e o meu pródigo? Disse o atual Papa emérito que “a irmandade não se concebe, instintivamente, como um fenómeno nascido da própria natureza, mas como fruto de uma decisão espiritual, de responder afirmativamente à vontade de Deus”. (RATZINGER, Joseph, La fraternidade de los cristianos, Ediciones Sígueme, Salamanca, 2021, p. 48). Perante a existência de um filho pródigo não é necessário tecer teses para saber qual a vontade dos pais: que um pródigo se transforme em prodígio, perfeito, com perspetiva, talentoso.
Nem sempre há finais felizes como a página parabólica evangélica. Mas também não sabemos o desfecho do filho e irmão mais velho… Para todos, sociedade, igreja, família só haverá um “The End”, como nos filmes, quando fizermos possível o impossível do outro: a cura!
*O padre Marco Sérgio Tavares é colaborador do Igreja Açores, com a coluna Tatamailau