Por Renato Moura
Está a viver-se em Portugal uma tensão política complexa. Demitiu-se o 1.º Ministro, daí resultará a dissolução da Assembleia e a convocação de eleições. A irresponsável instabilidade da maioria absoluta ainda a governar o País, com a sucessão ininterrupta de casos graves, era mais que suficiente para a demissão; mas António Costa preferiu justificá-la num comunicado da Procuradoria-Geral da República, sobre uma investigação a seu respeito.
Um dos principais defeitos da prática política é fazer parecer que é, o que na verdade não é. E até há quem louve como bom político alguém com o insanável vício de vivar do avesso um malefício, fazendo parecer tratar-se de um mérito!
A organização judicial foi criada pelos políticos. Os Tribunais são órgão de soberania e, dentro deles, cada órgão tem a sua legítima função. Os magistrados são humanos, podem errar, sejam procuradores ou juízes. Há investigações (e as suspeitas de corrupção não são coisa menor), acusações, garantias de defesa e julgamentos, tudo passível de recursos.
Num processo ora iniciado, criar-se uma vitimização pessoal, passar-se a ideia de que a queda do Governo é culpa da Procuradoria-Geral da República, como se fosse um adversário, é injustiçar a justiça. É um mau serviço à credibilidade das instituições. E também o é quem presidindo ao Parlamento não mostrar saber despir-se da cor partidária e deixar a impressão de querer condicionar o tempo da justiça. A demora na aplicação da justiça é insuportável, não só neste, mas em todos os casos; mas os poderes, designadamente o actual, nunca se dispuseram a realizar a reforma da justiça.
A acrescer há outros sinais preocupantes sobre a insensata falta de respeito pela separação de poderes, dentro do Estado. Verificou-se quando altos responsáveis de órgãos de soberania atribuíram responsabilidade da crise política ao Presidente da República, ou pretenderam condicionar decisões. E é notória a supremacia política do Governo sobre a Assembleia.
O partido não devia ser o Governo. Nem o Governo é o Estado. Aos órgãos de soberania – a todos – impõe-se Sentido de Estado, traduzido no primado dos interesses do Estado sobre os interesses privados, sejam eles pessoais, partidários ou outros. Se e quando caem na praça pública acusações ignobilmente urdidas visando amarfanhar algum órgão de soberania, é caso para se perguntar o que é feito do Sentido de Estado.
Os cidadãos, todavia, nunca perderão o direito à crítica veemente, à contestação pública, à exigência de reparação presente e futura.