Mensagem do Bispo de Angra para a Quaresma de 2011.
Como transmitir o que não muda, num mundo em mudança? Só mudando: não o Evangelho, que é o mesmo de sempre, mas a nossa actuação. Foi o apelo de Jesus, logo no início do Seu ministério, que mantém toda a sua actualidade, nestes tempos de crise e de mudanças vertiginosas: «É chegada a hora! O Reino de Deus está próximo: mudai de vida e acreditai na Boa Nova» (Mc 1, 15).
Tal é o apelo da Igreja, nesta Quaresma, que sempre foi um tempo forte de conversão, isto é de mudança de vida. Para conformarmos, sempre mais, a nossa maneira de ser e de agir, ao exemplo e ensinamento de Jesus. «O caminho de conversão rumo à Páscoa leva-nos a redescobrir o nosso Baptismo – explica o Papa, na Sua Mensagem para a Quaresma de 2011. O percurso Quaresmal encontra o seu cumprimento no Tríduo Pascal, particularmente na Grande Vigília da Noite Santa: renovando as promessas baptismais, reafirmamos que Cristo é o Senhor da nossa vida, daquela vida que Deus nos comunicou, quando renascemos “da água e do Espírito Santo” e reconfirmamos o nosso firme compromisso em corresponder à acção da Graça, para sermos Seus discípulos» (Bento XVI, Mensagem para a Quaresma de 2011, nn. 2 e 3).
Escuta da Palavra
«Para empreender seriamente o caminho rumo à Páscoa e nos prepararmos para celebrar a Ressurreição do Senhor – a festa mais jubilosa e solene de todo o Ano Litúrgico – o que pode haver de mais adequado do que deixar-nos conduzir pela Palavra de Deus? Por isso a Igreja, nos textos evangélicos dos Domingos de Quaresma, guia-nos para um encontro particularmente intenso com o Senhor, fazendo-nos percorrer as etapas do caminho da iniciação cristã: para os catecúmenos, na perspectiva de receber o sacramento do renascimento; para quem é baptizado, em vista de novos e decisivos passos no seguimento de Cristo…» (Bento XVI, Mensagem, nº 2).
A Quaresma sempre foi um tempo forte de escuta e de meditação da Palavra de Deus, que alimenta a nossa oração e nos orienta no emaranhado da existência quotidiana. Escuta e meditação da Palavra, que nos deve levar à leitura assídua e ao estudo aturado da Bíblia, bem como ao aprofundamento da Doutrina Social da Igreja, que é a aplicação do Evangelho de Jesus à situação concreta da vida.
Não é possível construir uma sociedade mais justa e fraterna, sem ter em atenção os critérios e as directrizes da Doutrina Social da Igreja, que rejeita, tanto o Capitalismo de Estado, como o Liberalismo selvagem. Na Doutrina Social da Igreja, há dois pilares essenciais: primado da pessoa humana e promoção do bem comum, que é por definição o bem de todos. Destes dois pilares derivam os princípios da solidariedade e da subsidiariedade. A aplicação destes dois princípios exige a vivência destas duas virtudes: justiça e caridade. Não se pode dar por caridade o que é devido por justiça. E não há verdadeira justiça sem a gratuidade do amor.
Austeridade
Uma das práticas tradicionais, que exprimem o empenho da conversão quaresmal, é o jejum, que «nada tem de intimista, mas abre em maior medida para Deus e para as necessidades dos homens e faz com que o amor a Deus seja também amor ao próximo (cf. Mc 12, 31)… O jejum, que pode ter diversas motivações, adquire para o cristão um significado profundamente religioso: tornando mais pobre a nossa mesa aprendemos a superar o egoísmo, para viver na lógica da doação e do amor; suportando as privações de algumas coisas – e não só do supérfluo – aprendemos a desviar o olhar do nosso “eu”, para descobrir Alguém ao nosso lado e reconhecer Deus nos rostos de tantos irmãos nossos» (Bento XVI, Mensagem…, nº 3).
Não é preciso esperar pelas medidas de austeridade, para ter uma vida mais sóbria, que não se deixa enredar pela lógica do consumismo. O caminho da santidade cristã é vida mais saudável e equilibrada e, portanto, mais humana, como foi a vida dos santos. Que não são só de ontem. São também de hoje e da nossa terra. Assim, aí teremos, proximamente, a beatificação em Roma do Papa João Paulo II (1 de Maio), que pisou há tão pouco tempo terras açorianas, bem como a beatificação em Lisboa (21 de Maio) da irmã Maria Clara, nascida na Amadora e Fundadora das Irmãs Franciscanas Hospitaleiras da Imaculada Conceição, também presentes nos Açores, com a vivacidade do seu carisma.
Partilha
«A Igreja, especialmente no tempo quaresmal, convida à prática da esmola, ou seja, à capacidade de partilha. A idolatria dos bens, não só afasta dos outros, mas despoja o homem, torna-o infeliz, engana-o, ilude-o sem realizar aquilo que promete, porque coloca as coisas materiais no lugar de Deus, única fonte de vida… A prática da esmola é uma chamada à primazia de Deus e à atenção para com o próximo…» (Bento XVI, Mensagem…, nº 3).
Vai nesse sentido a Renúncia Quaresmal, que este ano se destina ao Fundo de Solidariedade. Os efeitos da crise levam a uma sempre maior intervenção da Caritas. No fim da Quaresma, cada um entregará o valor correspondente às próprias renúncias, não só do supérfluo, mas também do necessário, para ajudar quem mais precisa.
No ano passado, a Renúncia Quaresmal rendeu 28.555, 15 (vinte oito mil quinhentos cinquenta e cinco euros e quinze cêntimos). Espero que este ano, apesar das dificuldades que todos sentem e mesmo por causa disso, não faltem a generosidade e a capacidade de partilha, para ajudar quem mais precisa. Essa mesma partilha tem de se exprimir e praticar, na Semana da Caritas, de 21 a 27 de Março, em que haverá peditório público, em favor da acção da mesma Caritas.
Voluntariado
Neste Ano Europeu do Voluntariado, o lema da Semana da Caritas é este: “Ser voluntário, ser solidário”. «Na época da globalização, a actividade económica não pode prescindir da gratuidade, que difunde e alimenta a solidariedade e a responsabilidade pela justiça e o bem comum, nos seus diversos sujeitos e actores. Trata-se, em última análise, de uma forma concreta e profunda de democracia económica. A solidariedade consiste primariamente em que todos se sintam responsáveis por todos. E, por conseguinte, não pode ser delegada só ao Estado» (Bento XVI, Deus é Amor, 2005, nº 38).
É uma chamada de atenção do Papa para a necessidade de intervenção da sociedade civil, através do trabalho voluntário em favor da comunidade. Ora bem, uma das fortes interpelações que a situação de crise nos dirige vai, precisamente, na linha da aplicação do princípio da subsidiariedade, típico da Doutrina Social da Igreja: valorização da sociedade civil e, nela, dos corpos intermédios entre a pessoa e o Estado.
Como advertia Bento XVI, na sua 1ª Encíclica, «não precisamos de um Estado que regule e domine tudo, mas de um Estado que generosamente reconheça e apoie, segundo o princípio de subsidariedade, as iniciativas que nascem das diversas forças sociais e conjugam espontaneidade e proximidade… O amor – caritas – será sempre necessário, mesmo na sociedade mais justa… Existirão sempre situações de necessidade material, para as quais é indispensável uma ajuda na linha de um amor concreto ao próximo» (Ibid., nº 28).
+ António, Bispo de Angra
Angra, 28 de Fevereiro de 2011.