Por Carmo Rodeia
A resposta à pergunta formulada no título deste Entrelinhas, do ponto de vista da Geografia Física, é simples: serão à volta de 18 mil, mais coisa menos coisa. Mas, olhando para a realidade, às vezes, pergunto-me se serão só estas mesmo. E, se através dos nossos comportamentos e das nossas decisões, muitas vezes tomadas em nome da auto proteção, mas quantas vezes assentes no medo, na indiferença ou na falta de empatia com o outro, não estamos igualmente a criar outras ilhas. Até neste contexto de pandemia, em que nos olhamos uns aos outros como inimigos, com medo de que uns e outros nos possam passar o vírus. Em que nos fechamos, isolamos e mascaramos em nome de uma pretensa segurança que acentua ainda mais o nosso individualismo, apenas aliviado com a ideia de que estamos a contribuir para o bem comum. Ainda que fosse a fingir se calhar até não era mau por todas as razões, sobretudo as sanitárias, dirão alguns. Que o isolamento fosse sinómino de alturismo; que o confinamento fosse a tradução da responsabilidade e que a solidariedade fosse a expressão da nossa empatia para com o outro.
De olhos postos na Televisão vejo uma notícia sobre Rabo de Peixe, naquela espúria imagem que, lá de vez em quando, os Açores ainda conseguem trazer à antena nacional. É desgraça na certa; de outra forma nunca é notícia.
Desde as zero horas de quarta-feira que esta vila piscatória se encontra cercada. E por isso tem direito a prime time televisivo. Só por isso. Rabo de Peixe é sempre noticia. Desta vez é porque não entra nem sai ninguém da freguesia sem que haja um motivo forte. 66 casos positivos de covid-19 e a morte de uma jovem de 20 anos, em consequência do vírus, ditaram a cerca sanitária a uma localidade que há muito se auto cercou de problemas: alcoolismo, pobreza, baixos rendimentos; desigualdade social, insucesso e abandono escolar e agora o covid. Parece sina, uma fatalidade indomável que dinheiro algum conseguiu ultrapassar ou sequer mitigar. Como se Rabo de Peixe pudesse ser noticia por outra estatística que não a da desgraça.
De repente veio-me à cabeça aquela música dos Tribalistas, da grande Marisa Monte e do Carlinhos Brown, intitulada Diáspora. A letra é tremenda. Fala-nos dos mares e dos céus que percorremos na vida em busca de um palmo de terra seguro que nos devolva a esperança e termina com um grito clamoroso: “Onde estás meu Senhor/ Onde estás? Onde estás?/ Deus! Ó Deus! Onde estás que não respondes?/Em que mundo, em qu’estrela tu t’escondes Embuçado nos céus?”
Este Natal há de ser diferente. Dizem-nos todos. Sabemos nós, pela experiência da Páscoa. E sabem sobretudo aqueles que sempre tiveram um Natal diferente. Em cativeiro, na guerra, no meio da lama, sem água potável, sem pão quanto mais bolo Rei, sem árvores de Natal ou chá de espécie para aquecer a garganta…E sabem os de Rabo de Peixe, que sempre carregaram o selo do estigma.
Esta nova realidade de uma pandemia devastadora interpela-nos a ter a capacidade de nos colocarmos no lugar do outro. De fazermos uma introspeção societária à cerca dos nossos valores, estilos de vida e prioridades. De como usamos o nosso tempo, o nosso dinheiro, a nossa vida. Que opções tomamos e que consequências delas derivam. Políticas e outras. Interpela-nos sobre a necessidade de sermos próximos uns dos outros à maneira do Samaritano que acolhe, da viúva que dá o que lhe faz falta , que são outras formas de dizer Jesus. Interpela-nos a olhar para além do nosso próprio umbigo, tantas vezes inchado de tanta abundância e preconceito, refastelados em frente a uma câmara de televisão.
“Onde está Meu irmão sem irmã/ O meu filho sem pai/ Minha mãe sem avó/ Dando a mão/ pra ninguém/ Sem lugar pra ficar/ Os meninos sem paz/ Onde estás meu Senhor/ Onde estás?/ Onde estás?”, prosseguem os Tribalistas.
Nenhum homem é uma ilha. Todos estamos ligados. Todos dependemos uns dos outros. Neste tempo de pandemia em que os sinos têm dobrado por tantos a quem a vida foi ceifada, quando os ouvirmos deveremos saber que esses sinos também dobram por nós. Por mais ilhas que queiramos construir e acrescentar às 18 mil que a natureza criou. Afinal há 18 mil e uma ilhas.