Por Renato Moura
A Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais de Crianças na Igreja Católica Portuguesa apresentou, esta semana, o seu relatório final: através das vítimas e das averiguações, deu voz ao silêncio.
Um documento extenso, de excelente qualidade, irresumível. Aqui sinalizado, é público, deveria ser lido e meditado por todos. Realce para as notas finais e recomendações, muitas delas específicas para a Igreja no presente e no futuro, também contendo sugestões para a sociedade em geral e não apenas para os católicos; tenha-se em conta o reconhecido mérito e a independência dos membros da Comissão.
Estudaram-se crimes hediondos praticados no seio da Igreja e suas instituições, a esmagadora maioria deles perpetrados por padres, muitos ocultados pela hierarquia. Com apenas 512 testemunhos validados, haverá, no mínimo, 4815 vítimas e um número incontável de crimes; conclusão assustadora num ambiente onde se exigiriam actuações conformes com o Evangelho, respeito e defesa dos seres humanos. E quantos mais abusadores e vítimas desconhecidos?!
Este estudo constitui uma amostra do problema global dos abusos de menores. Obviamente a existência de outros na sociedade, não desculpa estes.
Servirá, todavia, como alerta para os perigos que rodeiam as crianças. Fica-se a conhecer, ou reconfirmar, factos muito importantes: os abusos podem acontecer em qualquer localidade, ou contexto, mesmo sagrado; abrangem crianças com média de 11 anos; muitos dos abusos são continuados; muitos dos abusadores têm contacto muito próximo com as famílias das vítimas, antes, durante e depois; os abusadores habitualmente estão muito conceituados na sociedade; mais de metade das vítimas residiam com os pais durante os abusos; as vítimas podem padecer, em silêncio, as consequências psicológicas toda uma vida, e metade daquelas que revelam, em média só 10 anos depois. Os abusos abalaram a Igreja. O encobrimento é um escândalo que abala a consciência dos crentes. E há 100 abusadores ainda no activo na Igreja!
Os pais estão confrontados com mais um veemente alerta, exigindo empoderamento: indispensável oferecerem absoluta confiança e total segurança aos filhos, educá-los para a sexualidade, capacitá-los para eles próprios iniciarem a sua própria defesa e nada ocultarem; não acreditarem sem limites nos adultos que convivem com os filhos.
Punam-se os criminosos. O Estado e a Igreja têm enormes obrigações. Que a coragem das vítimas, a iniciativa e o trabalho da comissão se não percam; imponham acções eficazes e duradoiras.