Por Renato Moura
O Primeiro-ministro não gostou das afirmações do Presidente da República sobre o desconfinamento e este mostrou-se melindrado pelas declarações daquele e contra-atacou. Habituem-se: é Marcelo em segundo mandato.
O presidente da Câmara Municipal de Lisboa mostrou melindre pelas críticas, de muitos sectores, ao envio de dados pessoais de manifestantes para a Embaixada russa. Reagiu mal à censura de uma atitude condenável da Câmara, cuja responsabilidade política é sua. Os poderes da mesma área política sentiram-se ressentidos e não evitaram o ridículo, pois o envio não pode ser considerado uma actividade de “balcão”, nem se pode mandar “apagar” expediente enviado a uma embaixada.
Todos conhecemos ministros a verberarem ou presidentes de câmaras furiosos, só por se contestarem as suas opções e omissões. E o mesmo se percebe em deputados.
Não se creia, porém, que só os poderes civis e políticos revelam extrema sensibilidade e facilmente se sentem magoados ou ofendidos. O mesmo se pode dizer dos poderes eclesiásticos, aos seus vários níveis. Obviamente nuns e noutros há, felizmente, honrosas excepções.
Já não constitui motivo de surpresa ver os investidos de poder doutrinando para impor os seus pontos de vista, ou mostrando incómodo com as críticas, sejam ou não construtivas. Há quem não goste de se sentir contestado ou sequer confrontado, mesmo perante algum erro objectivo e crasso, no exercício do poder. Na Igreja a força dos poderes (e fiquemos apenas pelo temporal) pode transparecer sobre o clero, ou sobre os leigos, sobretudo se investidos de funções. Há quem se sinta tão no pedestal a ponto de declarar disponibilidade para ouvir as críticas, mas só se houver cuidado na forma de as formular! Pasme-se!
A tentação de poder absoluto e a respectiva manutenção são tão velhas quanto a história. E os poderes, mesmo divididos internamente, quando se consideram apertados, unem-se e ripostam.
Sejam quais forem os poderes, deveriam encasquetar que as relações humanas têm dois sentidos: um para lá e outro para cá, sem ressentimentos. A indignação é um direito humano e uma forma da liberdade de expressão constitucional. E a primeira coisa que os poderes – democráticos ou religiosos – deveriam apreciar, era a sinceridade. E a sinceridade tem diversos tons e vão da suavidade até à veemência.
Aceitação de opiniões e críticas, reconhecimento de erros, modéstia, serviço diligente, têm de ser constituintes essenciais de quem aceitou vestir a pele do poder, grande ou pequenino. Sem se melindrarem.