Pelo Pe. Teodoro Medeiros
O ambiente não faz parte da técnica; quando muito tem a ver com os planos da imagem e a montagem. Também não pode ser simplesmente confundido com o cenário: este constitui o contexto menos próximo de cada cena (mas isso também é claramente relativo). O certo é que existe e faz parte da estória.
Muitas vezes nem sequer é muito importante: o que acontece tanto pode ser aqui como ali, um lugar sem nome ou com um nome que não existe, uma utopia. Conta sempre, mas é mais fácil notar quando se lê “Berlim 1945” ou “Roma 44 aC”: data e cidade evocam contextos que pertencem já às nossas estruturas, e porventura anticorpos.
Os “westerns” são isso mesmo, uma definição de um género de cinema a partir do seu lugar. Fizeram as delícias de muitas infâncias, rendidas ao poder das setas dos índios e à rapidez de cavalos e pistolas. É marca registada. É a medula desse sistema: não se esperam naves espaciais nem extraterrestres (sim, já foi feito e não teve graça).
Que Nova Iorque pertença a Woody Allen é natural: onde havia um judeu de trabalhar se não lá? De lá se chega a Londres, Paris, Barcelona, Roma (até de Lisboa se falou: quem sabe agora que o turismo explodiu?). A Roma de Fellini é, em grande parte, um mito: ele usou-a como muito mais do que cenário ou decoração, mesmo no filme que lhe dedicou.
As catástrofes naturais, as montanhas, os rios, a neve, os desertos, os mares, os tribunais, as grutas, os lagos, a selva do Tarzan, o Espaço e as criaturas do Universo: todos marcam aventuras que têm os seus códigos, os seus heroísmos e situações típicas. Os filmes de terror ou são na cidade ou são no meio do nada. As comédias usam o espaço de forma funcionalista.
E depois a claustrofobia: um filme fechado, como “Cubo” gastou pouco dinheiro mas foi um relativo sucesso e tornou-se objeto de culto. A premissa era simples; tinham de sair dali sem morrer (quem eram e como entraram não era importante). Originalidade no seu melhor.
Como os evangelistas sinópticos, que põem Jesus a trabalhar a partir da margem e a terminar no centro. Só quando chega a Jerusalém se torna claro que não era um cismático; criticava o sistema porque o queria melhor e deixou pistas para isso. A estratégia só se conhece por comparação; a escola joanina é que revelou que ele, afinal, tinha feito alguns raides intermédios a Jerusalém.
Mas, com horizontes largos, o Senhor da casa era um Deus em convalescença; era antes das dualidades corpo-matéria dos gregos; era mais adepto da estória do que da História e do passado; estava vivo mas havia muito de exagero nessas notícias. Bem se pode dizer “O meu Ddeus (hic sic) é um Ddeus ferido”.
Estaremos a esquecer alguém? Sim, o simples bairro polaco onde moram todas as personagens dos “Dez Mandamentos” de Kieslowski: o sentido daquelas estórias entrecruzadas pelo mesmo complexo de apartamentos arredonda-se a partir dele. O universal no particular.
Os códigos mais simples mão se explicam: assumem-se, são ponto de partida. E às vezes estão no centro de tudo, como é o caso do espaço da cadeia: se entramos dentro dele, ele nunca mais sai de dentro de nós, não ocupa espaço, como diz o ditado. É o género “reclusos tentam plano de fuga”.
É justa a homenagem: existem alguns clássicos do género que podiam ser mais apreciados. Pense-se no Steve McQueen de “A Grande Evasão” e “Papillon”. Ou em “fuga de Alcatraz”. Ou no menos conhecido “Le Trou”, de 1960. São retratos de quem pode ganhar a liberdade ou perdê-la para sempre e o seu impacto não depende de um final feliz.
Com atores amadores, “Le Trou” sobressai por qualidades que são de invejar: realização sóbria mas trabalhada, humor, simplicidade, intensidade, surpresa final. Não apenas densidade psicológica mas sobretudo o relato dos trabalhos da fuga: mostrar quatro minutos de marteladas no cimento e isso servir a criar empatia? É mágico, é cinema puro.
“César deve morrer”: o melhor para o final. Realizado em 2011 pelos irmãos Taviani, passa-se na cadeia de Rebibbia, onde os reclusos vão encenar a peça de Shakespeare sobre Júlio César, o último governante da República Romana. Escusado será dizer que nenhum deles era ator de profissão. Droga, Máfia e um homicida.
É-nos dado assistir às provas iniciais (não são muito convincentes) e depressa se segue uma metodologia original: as cenas são apresentadas na sequência correta mas tiradas de vários ensaios. Esses momentos foram realizados em várias divisões da cadeia. O lugar parece perfeito: algumas interpretações mereciam Óscar.
E aqui não é já magia o que aparece mas sim milagre: Salvatore Striano, o emotivo “Bruto”, aprofundou na cadeia o seu gosto por Shakespeare e a pena foi-lhe reduzida. É hoje ator e escritor. A fuga perfeita.