Rute do Couto, médica cardiologista, é a convidada do programa Igreja Açores
A evolução da saúde permitiu uma maior longevidade e qualidade de vida, mas também permitiu a perda de capacidade das famílias e da sociedade em geral de olhar para o mais velho e ajudá-lo a passar a última fase da sua vida, em casa.
“Na saúde fomos evoluindo muito e as pessoas vivem mais tempo por causa dos cuidados que lhes prestamos mas, em contrapartida, a sociedade e as famílias perderam capacidade de assumir a responsabilidade de cuidar do outro, sobretudo do mais velho” refere a médica cardiologista Rute Garcia do Couto que exerce no Hospital do Santo Espírito, em Angra do Heroísmo.
Em entrevista ao programa de rádio Igreja Açores, que vai para o ar este domingo a partir do meio-dia no Rádio Clube de Angra e na Antena 1 Açores, a médica, licenciada pela Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra, explica que “não se trata de egoísmo” mas de uma incapacidade para assumir responsabilidades.
“As pessoas continuam a pensar que o melhor que podem oferecer a um familiar é aquilo que o hospital oferece. Perdeu-se a noção e a tradição de acompanhar as pessoas mais velhas na sua morte” refere sublinhando que é “muito difícil” acompanhar um iodos, doente, em casa e no seio da família.
“Precisamos de trabalhar melhor isto” acrescenta, lembrando que “a pessoa tem o direito de morrer na sua casa junto dos seus, embora isso seja muito difícil”.
“Há uma parte de responsabilidade que as pessoas não querem ter. Quando um idoso está doente e já não pode tomar decisões é a família que o faz e nota-se, hoje, uma desrresponsabilização da família, que delega a responsabilidade numa equipa cuidadora porque, hoje, não somos capazes de não levar a pessoa para o hospital pensando que estamos a fazer o melhor” esclarece.
“A última fase da vida tem de ser trabalhada de outra forma junto das famílias, dando-lhes os apoios que elas precisam”, conclui.
Durante a entrevista, conduzida por Tatiana Ourique, a médica cardiologista fala deste tempo de pandemia e da sobrecarga dos serviços de saúde, seja a nível nacional seja a nível regional. Mas não perde de vista a “outra pandemia” emergente da crise sanitária.
“O impacto que vai haver na sociedade em termos económicos e sociais vai ser grande; por isso estamos diante de duas pandemias a que importa acudir” salienta.
“Como cristã a parte social é muito importante, isto é, a perspetiva cristã de ver os outros vai ser muito importante depois desta emergência sanitária”, refere.
“A solidariedade será decisiva” e a chave para resolver alguns problemas, confessa.
“Do ponto de vista médico preocupa-me a sobrecarga dos serviços, o cansaço dos profissionais de saúde; por isso, cada um, individualmente, tem de fazer a sua parte adoptando sempre comportamentos responsáveis”.
“O que fazemos ou deixamos de fazer pode ser importante” destaca lembrando que esta pandemia causou saturação e a saturação “degradou a saúde mental das pessoas.
“As pessoas estão saturadas de estarem em casa, sozinhas, mas não podemos facilitar” diz.
“O medo e o isolamento têm deteriorado a saúde mental das pessoas. Tem havido um agravamento da situação dos mais velhos: pessoas independentes que perderam faculdades cognitivas devido ao isolamento e que hoje estão dependentes; pessoas mais novas que têm problemas de saúde que se isolaram e ficaram deprimidas” salienta.
Nesta entrevista fala ainda do Serviço Regional de Saúde, que é de qualidade mas que vive dias difíceis com o envelhecimento de clínicos de várias especialidades e a falta de aposta no desenvolvimento dos cuidados.
“Sei que não podemos ter tudo em todo o lado mas há determinadas práticas que são de urgência que se não forem feitas de imediato podem custar vidas. Os Açores precisam ter dois polos de cuidados de saúde para darem uma melhor resposta”, conclui sugerindo que se repense o desenvolvimento do Hospital de Angra.
A entrevista pode ser ouvida na integra aqui no sitio Igreja Açores, a partir da uma da tarde e no Rádio Clube de Angra e Antena 1 Açores a partir do meio-dia de amanhã.