Pelo Pe. José Júlio Rocha
Sempre nutri pela pedofilia um asco que, julgo, é comum à esmagadora maioria dos mortais. Mete-me nojo imaginar que crianças, e crianças de tenra idade sobretudo, possam ser vítimas da predação sexual seja de quem for. Mas quando leio e vejo que muitos membros da Igreja, muitos mesmo, demais, estiveram e estão envolvidos nesse tipo de crime, a minha perturbação atinge a linha do desgosto e da revolta. A Igreja, líder moral e exemplo para o mundo, caminho de salvação, mãe e mestra, está repleta de escândalos que mancham drasticamente a sua mensagem.
Para as pessoas, para muitos cristãos, não é fácil distinguir o ideal da mensagem cristã dos exemplos macabros de alguns membros da Igreja. Já ouvi, de passagem, uma conversa arrepiante: ao passar numa rua, uma senhora disse de mim a alguém: “Aquele senhor é padre”. E a voz de um homem, que eu não vi quem era, respondeu: “São todos pedófilos”. Senti uma espécie de faca entrar-me na ilharga.
O que se tem escrito sobre a pedofilia na Igreja atravessou todo o tipo de opiniões: os que condenam a Igreja, os que a defendem, os que a tratam como “uma corja de malfeitores”, os que falam do fim do celibato, os que gozam com isto tudo, os que dizem que nem a Inquisição fez tanto mal à Igreja como este escândalo.
Há, no entanto, pedofilia e pedofilia. Há os que vivem com essa perturbação sexual, vivem uma espécie de inferno dentro de si porque cometeram crimes contra crianças ou adolescentes ou porque simplesmente a vivem como drama interior. Mas muito pior são as organizações de membros da Igreja que, como autênticas máfias, tinham esquemas para angariar e abusar de menores. É-me demasiado difícil conceber que clérigos tenham pertencido a formas organizadas e esquemas bem urdidos para aliciar, abusar e destruir crianças.
Dito isto, imagino a preocupação do Papa Francisco e dos membros da cimeira que, a partir do dia 21 deste mês, vão refletir sobre a questão da pedofilia na Igreja. É uma cimeira necessária e urgente para que a Igreja possa tomar medidas concertadas e universais, custem elas o que custarem. Para grandes males, grandes remédios, e devemos estar preparados para uma mudança de paradigma de toda a Igreja Católica a respeito de muitas questões da sexualidade.
O relevo que os Media têm dado a essa questão pode, no entanto, dar a falsa ideia de que este é um problema essencialmente da Igreja, quando não o é. Pedofilia e abuso de menores são pragas que, infelizmente, atravessam todo o tecido social, e sobremaneira a família. A relevância dada à Igreja percebe-se porque ela é uma instituição moral cuja mensagem condena clara e determinantemente os crimes/pecados que alguns dos seus membros praticaram. E isso funciona como uma caixa-de-ressonância que amplifica a gravidade dos crimes cometidos.
Concordo que os Media tragam à luz o que anda escondido e, assim, colaborem com a Igreja no sentido de erradicar esse mal tão disseminado. O jornal digital “Observador”, à semelhança de outros jornais, nomeadamente americanos, está a desenvolver uma série de reportagens sobre o fenómeno em Portugal que, não tendo a relevância de outros países, não deixa de ser grave porque, mesmo que se diga que não são muitos os casos, bastaria um para que já fossem demais. Mas o referido jornal faz um convite aos leitores para denunciarem casos de abuso de menores por parte de membros da Igreja, ou para “contarem a sua história”. Isto só é compreensível se se fizer verdadeiro jornalismo, sério e honesto. De contrário, podemos estar diante de uma espécie de caça às bruxas onde se corre o perigo de acusar inocentes cuja fama e bom nome podem ficar enlameados para sempre, como já aconteceu. Repito que a esmagadora maioria dos clérigos não cometeu esses crimes nem tentou esconder quem os cometeu.
O cerne da questão não pode deixar de ser, no entanto, a multidão das vítimas. Essa mole imensa de pessoas que viram a sua vida afetada, mutilada, por vezes destruída por aqueles que deviam ser os seus guias num ideal de vida cristão. É o rasto indelével que não pode deixar ninguém indiferente. Não bastam, já foi sobejamente afirmado, os pedidos de desculpa. Em honra dos nomes das vítimas, é preciso tomar medidas concretas para acabar, repito, acabar com essa praga. Estou convencido que esta cimeira, conduzida com a serenidade necessária, irá contribuir para que se enverede por um caminho de purificação, que passará necessariamente pela determinação corajosa das causas que levaram à proliferação da pedofilia na Igreja. É aí que temos de chegar, custe o que custar.
Acredito na beleza do sacerdócio. E, apesar de vivermos numa sociedade eminentemente anticlerical, acredito que a maior parte dos cristãos se revê nos ideais do ministério sacerdotal, se revê naqueles que entregaram a sua vida por um ideal demasiado belo: dar a vida pelos irmãos, por Jesus.