Docente do Seminário participa na iniciativa “Nós e os livros” promovida pelo Departamento de Economia e Gestão da Universidade dos Açores, em Angra.
O docente de Teologia Moral, Pe Júlio Rocha, disse esta sexta-feira, no encontro “Nós e os Livros” que “a mais elevada forma de esperança é o desespero superado” porque pressupõe que se saia da passividade.
Partindo da análise de três obras fundamentais do pensamento que exploram a natureza humana em situações limite – “A Lenda do Grande Inquisidor inserido no romance Os Irmãos Karamazov”, de Fiódor Dostoiévsky; “A Metamorfose” de Franz Kafka e “O Velho e o Mar” de Ernest Hemingway – o professor de Teologia Moral lembrou que o sofrimento é “muitas vezes o caminho para a esperança”, na perspetiva de que é através do sofrimento que “partimos em busca do outro”.
Em cada uma das três obras, Júlio Rocha encontra um traço comum: em todas elas permanece o sentido da decisão humana, da liberdade individual que se manifesta mesmo nas circunstâncias mais adversas.
O reduto da liberdade de cada um é, para o orador, a marca da individualidade divina que cada pessoa transporta.
Honra, dignidade, paixão são também traços que o orador aponta nestas três grandes obras da literatura e que para um cristão devem ter um valor especial num tempo de crise em que percorrer o caminho do desespero é o mais fácil.
Segundo Júlio Rocha, os cristãos devem olhar este tempo de crise como uma “oportunidade” para a esperança e não como uma esperança “desesperada”.
As três obras, de leitura indispensável, propõem situações em que o homem é testado até ao seu limite, embora em contextos absolutamente diversos.
No caso da Lenda do Inquisidor, de Dostoiévski, que relata uma nova descida de Jesus à terra durante o período da inquisição espanhola, o inquisidor “acusa” Deus de conferir aos seres humanos a liberdade, mesmo sabendo que eles a trocam por garantias. Neste romance, o silêncio divino não conforta a razão humana e sua Verdade não passa por nenhum constrangimento lógico, mas por um ato de Amor livre, que gira em torno de uma relação muito conturbada entre pai e filho e que é relatada na terceira pessoa.
Já na Metamorfose, um dos livros mais lidos e comentados de Franz KafKa, é descrito um pesadelo que se torna realidade. Gregor Samsa, um caixeiro-viajante- acorda metamorfoseado num enorme e gigante inseto, o que naturalmente provoca a incompreensão dos que lhe são mais próximos.
No Velho e o Mar, a última obra que Ernest Hemingway publicou em vida, relata-se a luta entre um velho pescador, conhecido localmente pelo seu azar extremo, e um peixe de grande dimensão. Trata-se de uma ode à solidão e à luta pela sobrevivência onde, transversalmente, são abordados temas como a honra, a compaixão e a dignidade.
Júlio Rocha partindo de um personalismo cristão, aberto ao transcendente, lembra que qualquer uma destas formas de sofrimento é uma espécie de alavanca para um novo caminho que “deve e tem” de ser percorrido porque é o único que permite o encontro do homem com a sua história, redescobrindo a vocação humana na sua ação prática para compreender e apreender a sua verdadeira dimensão.
Júlio Rocha, um dos intelectuais da Igreja açoriana, leu durante a sua reflexão o poema “Ainda espero o amor” de José Tolentino de Mendonça e deixou um “reparo” sobre as contingências dos nossos dias que “impedem” uma reflexão permanente e profunda sobre a verdadeira dimensão da condição humana.
Nesta iniciativa do Departamento de Economia e Gestão da Universidade dos Açores, no Campus de Angra do Heroísmo, participaram durante o mês de Outubro dois outros intervenientes, Avelino Meneses, ex reitor da Universidade dos Açores, com o Livro de Raquel Ochoa “Sem fim à vista” e Álvaro Monjardino, Advogado, com “Os descobridores” de Daniel Boorstin.