Por Monsenhor José Constância*
Desde que o Papa Francisco iniciou o seu ministério petrino, houve um novo regresso ao Concílio Vaticano II e um Caminho de Sinodalidade. Que primavera!
O Concílio Vaticano II apresentou ao mundo moderno a Igreja com a expressão bíblica e dinâmica para hoje de “Povo de Deus”. Reacendeu a ideia central do Concilio que é a comunhão e recomeçou o caminho da sinodalidade que agora tem toda a sua largueza.
A Igreja é antes de mais povo de Deus, da qual fazem parte todos os batizados, e os que olham para ela para entrarem, e se fazerem cristãos, e os que a deixaram mas a querem reencontrar.
Todos participamos pela Iniciação Cristã de Cristo Profeta, Pastor e Orante. Os cristãos presbíteros e bispos começam por serem batizados e são sempre cristãos. É verdade que o povo de Deus todo ministerial, tem nos ministros ordenados pela «imposição das mãos» aqueles que se tornam na pessoa de Cristo os Seus pastores. Mas, aspetos teológicos ligados à Teologia do Povo de Deus e aspetos pastorais não totalmente resolvidos, dificultaram uma Igreja toda laos=povo, isto é, toda laical (de Laos), dos quais todos fazem parte e onde, sobretudo os leigos personalizam no mundo, de uma maneira especial, com a sua ação toda a dimensão laical (de Laos=povo) da Igreja.
A visão preponderante que ainda tem o ministério ordenado, suas tarefas específicas e a sua inserção, é uma das questões que dificulta a Igreja ser toda povo de Deus, como de resto afirmou o Teólogo leigo Doutor José Borges Pinho, numa conferência sobre “a sinodalidade na vida da Igreja”, promovida pela Capela do Rato, em Lisboa, ao referir que “a visão ainda predominante que coloca o ministério ordenado numa diferença essencial e superior em relação ao sacerdócio comum («diferenciam-se essencialmente e não apenas em grau») segundo uma expressão menos feliz e, sobretudo, mal entendida da Lumen Gentium”.
A concentração do ministro ordenado na perspetiva pessoal prejudicando a dimensão comunitária e colegial é redutora na visão da Igreja como povo de Deus.
Por outro lado, uma pastoral que se define como a ciência e arte da edificação da Igreja, mas que depois na sua construção concreta é muito orientada, controlada e decidida pelos padres e pelos bispos dificulta uma Igreja “povo de Deus” e mesmo popular.
É verdade que nos Açores no post-Concílio muito se avançou e se edificou desde o Congresso de Leigos (1992), passando pelo plano de pastoral e seus programas de orientação pastoral (1994-2019) e, agora, com a caminhada sinodal diocesana. Leigos, padres e bispos fizeram aparecer Conselhos Pastorais em todas as instâncias e os movimentos eclesiais projetaram os leigos no mundo, embora muito fechados nas comunidades paroquiais, que se renovaram pouco. Mas agora está tudo mais difícil.
Hoje, assistimos aos desafios da época moderna, com o envelhecimento dos agentes de pastoral e com o caminho de regresso ao Evangelho concretizado na sinodalidade a nível da Igreja Universal, na sua dimensão diocesana (Sínodo 2023 em Roma) e ainda no caminho que já abrimos. Não obstante, a pandemia por todo mundo e nos Açores e mesmo pelos desafios desta, sente-se uma grande necessidade de renovação teológico-pastoral que coloque a nossa Igreja Local, como toda a Igreja Universal, num novo caminho rumo ao futuro.
O caminho sinodal exige, pede e facilita a participação de toda a Igreja (Povo) e fará com que, no futuro, para além dos Sínodos só de Bispos, tenhamos Sínodos na Igreja Universal e nas Igrejas Locais que sejam grandes assembleias eclesiais (Leigos, Religiosos, Presbíteros, Bispos).
É verdade que apesar do caminho sinodal para o Sínodo de 2023, seguir a regra teológico-canónica de “todos” (o povo que é consultado), “alguns” (bispos e outros com voto) e “um” (papa), sem dúvida que caminharemos no futuro para outros esquemas sinodais.
Necessitamos de fazer amadurecer o sensus fidei (sentido de fé) do nosso povo que depois exigirá e exercerá corajosamente o sensus fidelium, isto é, o sentido e participação da fé do povo. O número e o peso que temos de padres nos Açores dificulta entre nós a Igreja-povo!
Isto implica o desenvolvimento maior e pleno das estruturas de sinodalidade. Disse, o Teólogo atrás referido, na sua conferência “que numa paróquia que não exista ou não funcione, com qualidade, um Conselho Pastoral enquanto lugar privilegiado e competente de reflexão e deliberação pastorais, é um sintoma muito grave, que tem de nos fazer pensar”. E depois afirma também “é imperioso rever de alto a baixo as estruturas sinodais existentes (desde o Sínodo dos Bispos aos Conselhos Pastorais Diocesanos e paroquiais) ”.
Temos muito a fazer na sinodalidade com o Papa Francisco e na nossa Diocese com o trabalho a partir do que temos e do que iremos criar de diferente com o novo Bispo, que esperamos receber em breve como nosso Pastor.
*Monsenhor José Constância é pastoralista, diretor do Instituto Católico de Cultura da diocese de Angra, Vice-reitor do Santuário do Senhor Santo Cristo e ouvidor de Ponta Delgada. É o decano do Colégio de Consultores