Pe Paulo Borges diz que a originalidade da matriz cristã reside na “doação gratuita”, está preocupado com o decréscimo dos casamentos católicos e pede tolerância para alguns divórcios
O cristianismo como “religião da família” apresenta a “sua originalidade singular na relação inter-humana como capacidade de doação gratuita” e liberta “ a familia para si própria”, disse, na sua intervenção, esta quinta feira, o Pe Paulo Borges, pároco na Fajã de Baixo, em Ponta Delgada e responsável diocesano pela Pastoral da Saúde, durante o penúltimo dia da XX Semana Bíblica Diocesana dos Açores, que decorre até esta sexta feira em Ponta Delgada.
“O cristianismo liberta a família para si própria, lugar onde se aprende o valor das relações essenciais para a construção de seres humanos cada vez mais equilibradamente humanos. Já em 1981, S. João Paulo II, então Papa gritava em alta voz: Família, torna-te aquilo que és!”, lembrou o sacerdote, sublinhando que “a relação de alteridade, ou seja, o sair de si para ir ao encontro do outro é a relação fundante e orientadora da humanidade, que se realiza de forma mais originária na família”.
Mas, para isso, destaca o responsável diocesano, é preciso cultivar valores como a tolerância, o respeito, o dar-se ao outro de forma gratuita, seja na relação conjugal seja na relação parental.
O Pe. Paulo Borges mostrou-se, no entanto, preocupado com uma certa cultura “do descartável” e do “individualismo” em que não há tempo para a família, seja na relação com os mais velhos, seja na constituição de uma nova familia.
O sacerdote lembrou, a este propósito, os números dos casamentos (católicos, civis e segundo outros ritos) – 31693, dos quais apenas 11576 são católicos- e o crescente aumento do número de abortos no Serviço Regional de Saúde- perto das três centenas- , o que “é o reflexo do rosto da nossa sociedade e de todos os seus dramas humanos, sociais, afetivos e espirituais”, deixando uma interpelação à igreja católica nos Açores sobre se “está ou não preparada para responder a estas inquietações”.
O Pe Paulo Borges, que foi o penúltimo conferencista da XX Semana Bíblica, que termina já esta sexta feira, com uma intrevenção do Pe Ricardo Henriques, vice-reitor do Seminário Episcopal de Angra, sobre as questões da pastoral da família, levantou ainda a questão do divórcio, partindo por um lado do Evangelho de Mateus e, por outro lado, do instrumento de trabalho sinodal para sublinhar a necessidade de, com frontalidade, poder ser equacionado não como uma opção mas como uma solução para “certas situações”.
“No meu entender temos toda a legitimidade de, também hoje, levantar a questão: não será que pode haver razões ponderosas a serem equacionadas em que o divórcio se apresente como um possível caminho de solução de tantas pessoas poderem refazer as suas vidas, já mais maduros na decisão e sem o pesado manto da moral que esmaga o coração e a consciência, por um projeto de vida que falhou? Com certeza que sim!”, disse ainda o pe Paulo Borges.
De resto, o sacerdote lembrou que na Igreja Oriental Ortodoxa, essa possibilidade já é exequível e seria bom que se começasse a ensaiar “a via do perdão como experiência fundamental da vida familiar e a via para a reconciliação”.
“O perdão pela injustiça sofrida não é fácil, mas é um caminho que a graça torna possível” referindo que “deve-se olhar cada caso de forma diferenciada, numa atitude de acolhimento, escuta respeitosa e amor. Evitar toda a linguagem ou atitudes discriminatórias para os que estão numa situação irregular”.
A XX Semana Bíblica Diocesana dos Açores decorre em Ponta Delgada desde segunda feira e é uma organização do Secretariado Bíblico de São Miguel, em colaboração com a Diocese de Angra e com o Movimento de Dinamização Bíblica., que tem como tema “A Bíblia, o Evangelho da Família”.