A fidelidade à palavra na renovação do espírito
“Boa noite e bom descanso” – foi com estas palavras que o Papa Francisco se despediu da multidão que, na Praça de S. Pedro, a 13 de Março de 2013, havia aguardado longamente pelo fumo branco. O seu papado ficou assim marcado, desde o primeiro instante, pela informalidade e pela proximidade.
A estes traços característicos do Papa Francisco somaram-se rapidamente outros sinais de mudança: na rejeição de símbolos papais que pudessem ser também interpretados como opulência (não vestiu o mantelete papal, nem as vestes completas de Papa, nomeadamente os sapatos vermelhos, continuou a usar a sua cruz de bispo e apenas aceitou o anel de pescador em prata), ou na iniciativa de pagar pessoalmente a conta na Casa de Santa Marta onde ficara hospedado até à sua eleição ou na de continuar a comer entre todos os seus colegas. E têm-se multiplicado ao longo do tempo, podendo-nos referir, mais recentemente, ao telefonema que fez a uma sua conterrânea desconhecida com morte anunciada ou à instituição de condições de banho para os sem-abrigo em S. Pedro com alguns dos quais, aliás, festejou o seu 77º aniversário….
O novo discurso do Papa Francisco, um discurso de mudança, transmite-se através do poder de gestos singulares e quotidianos, e a sua força enraíza-se na coerência entre a palavra e a acção. O Papa Francisco representa uma mudança na igreja católica, o que é hoje uma evidência em todo o mundo, para crentes e não crentes
Primeiro uma mudança na atitude de abertura a todas as pessoas, inclusive às que vinham sendo afastadas pela igreja pelas suas opções de vida, como os homossexuais; depois, uma mudança na perspectiva de abordar questões tradicionais na igreja como seja a do celibato. A expectativa é enorme.
E que mudança podemos esperar? Os católicos há muito que reclamam uma mudança na igreja, precisamente no sentido de uma maior abertura e proximidade aos problemas concretos das pessoas comuns; os não crentes, porém, que têm sido talvez os mais exuberantes entusiastas da mudança, parecem esperar uma igreja mundana que legitime o que é, abdicando de orientar para o que deve ser, na esteira de Cristo, como é sua missão.
Que mudança devemos esperar afinal? Eu diria que terá de ser uma mudança no espírito de interpretação na fidelidade à palavra. E por vezes creio que está aqui também a diferença da expectativa de mudança entre crentes e não crentes: estes quererão substituir a palavra, aqueles querem renovar o espírito. O ideal cristão continuará a ser o de “dar a outra face”, mesmo quando um murro for a resposta mais comum à provocação de outrem.
A informalidade que atrai não pode eliminar a exigência do cristianismo; a proximidade que conforta não pode suprimir a distância que as nossas acções cavam de Cristo; a popularidade da mudança não se pode converter no populismo de uma doutrina que abrigue todas as variantes do mundo. Até porque não é o cristianismo que segue o mundo mas é este que esperamos siga a Cristo. É no sentido da mudança que o Papa da mudança confirmará (ou não) a luz de Cristo no mundo.
M. Patrão Neves, Professora Catedrática da Universidade dos Açores